[Versió catalana]

Barbara Coelho Neves

Bibliotecária e Mestranda
Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

barbaran@ufba.br


Henriette Ferreira Gomes

Professora Adjunto
Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

henriettefgomes@gmail.com



Resumo [Abstract] [Resum] [Resumen]

A pesquisa está classificada como um estudo de caso e procurou analisar os aspectos da inclusão digital através dos usuários do telecentro Tabuleiro Digital da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA). O objetivo do artigo é investigar o tipo de inclusão digital proporcionada por esse telecentro, sob a perspectiva da literatura vigente. Aos objetivos específicos cabem: contextualizar a sociedade da informação; considerar os aspectos da inclusão digital; analisar questões da empregabilidade do software livre e diagnosticar o perfil dos usuários do telecentro. Na fase exploratória utilizaram-se técnicas de entrevistas estruturadas com usuários e responsáveis pelo projeto; análise e tabulação dos dados obtidos; relatório das observações diretas e levantamento documental. Entretanto, a pesquisa revelou que a grande maioria dos entrevistados eram jovens e adolescentes, pertencentes a famílias de baixa renda e que utilizam o telecentro muito mais para fins de entretenimento. A partir das análises, também se constatou que, o tipo de inclusão digital nesse telecentro é induzida (técnica).


1 Introdução

A sociedade da informação, formalizada nos inventos de uma série de máquinas inteligentes criadas ao logo da Segunda Guerra Mundial, origina novas responsabilidades para todos os atores sociais nela inseridos. Tais responsabilidades representam à necessidade da provisão do fluxo de informações que permita desde a geração de novos conhecimentos até o efetivo exercício da cidadania pela sociedade civil.

Varias iniciativas de instituições – mantidas com recursos de origem privada, pública ou mista de mecanismos nacionais e internacionais – têm contribuído com a criação de espaços que proporcionam tipos de acessos variados a informação eletrônica.

A partir das definições de inclusão digital feitas por Lemos e Costa (2005), Sorj (2003), Brasil (2000) e Rondelli (2003), procurou-se verificar a categoria de inclusão digital implementada no ambiente de uma universidade, mais especificamente no telecentro "Tabuleiro Digital" da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), levando em consideração aspectos ligados ao acesso e perfil do usuário. Para tal achou-se coerente usar como norteadora da pesquisa responder a seguinte pergunta: Como pode ser percebida a inclusão digital proporcionada por um telecentro nos domínios de uma universidade, precisamente em uma Faculdade de Educação?

A fim de se obter uma visão geral sobre o perfil dos usuários do telecentro estudado e a identificação das variáveis inerentes à inclusão digital, procurou-se seguir a fase exploratória (pesquisas referenciais e entrevistas com especialistas), para em seguida, gerar a pergunta de partida que foi o fio condutor de todo o estudo. Este trabalho, classificado como um estudo de caso teve como unidade-caso o Tabuleiro Digital. O instrumento de coleta de dados foi um questionário.

Este artigo está estruturado em cinco seções. Além desta introdução, na segunda são abordadas as origens dos espaços de inclusão digital, levando em consideração a experiência brasileira no contexto de inserção na sociedade da informação. Em seguida, discorre-se sobre a inclusão digital e o debate mais atual acerca do acesso e de como este influi no resultado final que os programas, desse seguimento, anseiam para o individuo. A quarta parte expõe o caso do telecentro Tabuleiro Digital, o recorte metodológico da pesquisa, a apresentação e discussão dos resultados. Assim, é possível perceber aspectos ligados ao modelo de acesso utilizado nesse telecentro, enquadrando-o em um tipo específico de inclusão digital, apresentando o perfil de seus usuários e analisando os cruzamentos para explicar como esse modelo inclui.

Diante do exposto no decorrer do trabalho, a quinta seção apresenta as considerações finais, analisando as necessidades apontadas na pesquisa e a importância de atende-las – observando as objeções e opiniões dos sujeitos do Projeto – em convergência com o que se compreende por inclusão digital.


2 As origens dos espaços de inclusão digital e a experiência brasileira

A sociedade da informação entrou nas referências políticas, econômicas e acadêmicas na década de 60, formalizando-se na seqüência das máquinas inteligentes utilizadas durante o período da Segunda Guerra Mundial (Hobsbawm, 2005). Esta vem se desenvolvendo ao longo da história e ganhando a característica de uma sociedade estruturada em sistemas de redes altamente flexíveis e dinâmicas (Castells, 1999), provocando um debate acerca da necessidade da disseminação do uso dos recursos tecnológicos que sustentam tal estrutura, para inserção de toda a sociedade neste novo paradigma.

Nesse sentido, tratando das conseqüências da exclusão digital, Castells (2003) afirma que o grande risco que esta oferece não é tanto para os países desenvolvidos – em que os índices de acesso ao computador e Internet têm crescido exponencialmente nos últimos anos – mas para os países em desenvolvimento, onde a oportunidade desigual de acesso à TIC pode reforçar a desigualdade entre indivíduos de diferentes classes no mesmo país.

Pode-se observar que, segundo estudos estatísticos divulgados pelo Banco Mundial, as maiores densidades de acesso ao ciberespaço e de uso das tecnologias digitais, coincidem com os principais centros mundiais de pesquisa científica, de atividade econômica e de movimentações financeiras.

Outros autores como Eisenberg e Cepik (2002) também defendem que a ambigüidade é ainda mais grave para países em desenvolvimento, onde a assimilação das novas tecnologias coexiste com subdesenvolvimento econômico e acentuada desigualdade social. Para esses países, outras formas de desigualdade já existentes seriam aprofundadas por essa nova forma de exclusão.

A inserção do Brasil na sociedade da informação teve início em 1998, nas discussões entre o Conselho de Ciência e Tecnologia (CCT) e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) que geraram o Programa Sociedade da Informação, contemplando dez objetivos que perpassavam por áreas que vão da educação às relações internacionais. O papel do Governo do Brasil, naquela fase inicial, foi o de prover infra-estrutura de informação com velocidade alta, aplicações avançadas, promover experimentos nas áreas das TICs e qualidade de serviços (Quality of Service, QoS).

Sob essa visão, a inserção dos cidadãos brasileiros na nova era da informação passou a ser uma obrigação dos poderes públicos. A inserção do Brasil nesse novo contexto de inclusão foi regulamentada pela oficialização do Programa Sociedade da Informação por meio do Decreto 3.294 de 15 de dezembro de 1999, cuja sua finalidade substantiva é: "[...] alcançar os alicerces de um projeto estratégico, de amplitude nacional, para integrar e coordenar o desenvolvimento e a utilização de serviços avançados de computação, comunicação e informação e de suas aplicações na sociedade" (Brasil..., 2000, p.5).

O Programa Sociedade da Informação, exposto no Livro verde, (Brasil..., 2000), propõe em um de seus objetivos "[...] contribuir para a efetiva participação social, sustentáculo da democracia política [...]" (Brasil..., 2000, p.6). Dentre os quesitos de oportunidade do Programa estão listados alguns itens, tais como: a importância da utilização da Internet para o comércio eletrônico (ampliação, diversificação e aperfeiçoamento); a divulgação de negócios e comunicação mais rápida e menos onerosa para as pequenas e médias empresas; geração de um ambiente inovador (empreendedorismo); na geração de novas oportunidades de trabalho; a universalização do acesso (combatendo desigualdades e promovendo a cidadania) e a educação e aprendizado ao longo da vida (desenvolvendo competências).

Assim, no contexto brasileiro, formas organizativas da sociedade civil como organizações não-governamentais (ONGs), movimentos sociais, sindicatos, associações de bairro, universidades, entre outros, passaram a cooperar para a inclusão digital com a criação de telecentros de acesso público.

Os telecentros são espaços com computadores conectados à Internet banda larga, geralmente gratuita. Cada unidade possui normalmente entre 10 e 20 microcomputadores, para uso livre, oferecendo como atividades cursos de informática básica e oficinas especiais. Todos os telecentros possuem Conselho Gestor, formado por membros eleitos pela comunidade, que ajudam os funcionários na fiscalização e gestão do espaço. (Brasil..., 2006).

O objetivo central dos telecentros é combater a exclusão digital. Trata-se de uma iniciativa fundamental de capacitação da população brasileira, visando à inserção na sociedade da informação. A missão dessa iniciativa é incentivar a criação de postos de trabalho com maior qualidade para um desenvolvimento tecnológico sustentável e ambientalmente correto, aprimorando a relação entre o cidadão e o poder público na construção da cidadania digital.

Dentre as iniciativas de criação de telecentros, destaca-se o Tabuleiro Digital que é mantido pela FACED/UFBA, para inclusão digital dos estudantes e da comunidade não-acadêmica. Este espaço recebeu esta denominação em analogia ao tabuleiro das baianas que confeccionam e comercializam o acarajé (quitute da culinária afro-descendente de origem colonial) e que são cotidianamente freqüentados pela sociedade baiana. Isso demonstra a intencionalidade da proposta de tornar esse ponto de inclusão digital (telecentro) visitado diariamente pela população.


3 Discussões sobre inclusão digital

O debate em torno da inclusão digital, na literatura científica, aborda o avanço da tecnologia da informação, que provoca mudanças na maneira dos indivíduos interagirem no meio social (em rede). Considerando que a informação é um dos fatores decisivos para a globalização, essa questão, debatida, sobretudo, na literatura americana sob o título de digital divide (exclusão digital), é um desafio a ser superado, por se constituir em um obstáculo aos pilares de uma situação favorável aos atores envolvidos no novo sistema mundo (Warschauer, 2003; Lemos; Costa, 2005).

Nos primeiros estudos sobre o tema, quando a discussão ainda estava numa fase embrionária, a exclusão digital era, em geral, abordada do ponto de vista estritamente técnico. Atualmente, a discussão é mais avançada e são muito criticadas as definições que abordam a questão do ponto de vista estritamente técnico. Tais definições reduzem o problema ao acesso físico às ferramentas e ao conteúdo, condição insuficiente para atender aos requisitos de acesso mínimo exigidos pelos autores otimistas da sociedade da informação, para a participação plena em processos como a cidadania, democracia eletrônica e inteligência coletiva, entre outros.

Afonso (2000), por exemplo, define a exclusão digital como a impossibilidade de se utilizar os recursos das redes públicas de comunicação e informação. Silveira (2001), na mesma linha, defende que a exclusão digital ocorre ao se privar as pessoas de três instrumentos básicos, o computador, a linha telefônica e o provedor de acesso.

Porém, outros autores começam a discutir para além da questão do acesso às ferramentas técnicas e ao conteúdo da Internet, como o próprio Silveira (2003) que vem destacando a necessidade de se rever essas definições. Outros autores como Starobinas (2006) complementam essa nova visão alertando que os recursos técnicos não podem estar dissociados da realidade e necessidade local, não devendo ser tratados como uma variável externa com o poder de produzir resultados sem considerar as características do contexto. As iniciativas devem ser estruturadas, considerando as complexidades do sistema social no qual estão inseridas.

Uma abordagem que tem sido bem aceita entre os estudiosos do assunto é a de que as diversas definições dadas para os termos exclusão digital e inclusão digital referem-se, na verdade, a várias dimensões de uma mesma questão. Silveira (2003) defende, em seus trabalhos mais recentes, que a inclusão digital pode ser entendida a partir de seis dimensões: o acesso à Internet, o acesso aos conteúdos da Internet, o acesso a e-mails, o acesso às linguagens básicas e instrumentos para usar a rede, o acesso às técnicas de produção de conteúdo e o acesso à construção de ferramentas e sistemas voltados às comunidades.

Na mesma linha, Sorj (2003) defende que a inclusão digital poderia ser classificada em cinco níveis interdependentes entre si, de forma que para alcançar um nível superior é necessário que o nível anterior tenha sido plenamente satisfeito. A interdependência entre esses cinco níveis é representada graficamente na figura 1.


Cinco dimensões da inclusão digital (Fonte: Sorj, 2003)

Figura 1. Cinco dimensões da inclusão digital (Fonte: Sorj, 2003)


Rondelli (2003) também define quatro passos para a inclusão digital: a oferta de computadores conectados em rede; a criação de oportunidades para que os aprendizados feitos a partir dos suportes técnicos digitais possam ser empregados no cotidiano da vida e do trabalho; a necessidade de políticas públicas e pesquisas que subsidiem as estratégias de inclusão digital; e a exploração do potencial interativo da mídia digital. Ou seja, não bastaria a disponibilização do acesso, mas todo um processo complexo que vai desde a indução de maneira educativa (onde a aprendizagem tem papel fundamental) até a exploração máxima dos meios digitais na atual era da informação.

Assim, fica evidenciado que a mera aquisição de computadores com acesso à Internet é insuficiente para que se alcance a inclusão digital, na qual, os usuários dos telecentros efetivamente construam conhecimentos e possam se tornar multiplicadores nesse processo.

Em se tratando de desenvolvimento do individuo, Mattelart (2003, p.71) aborda que a diferença entre conhecimento e informação está somente na lingüística do verbo formar: "[...] informar é uma atividade mediante a qual o conhecimento é transmitido; conhecer é o resultado de ter sido informado."

Observa-se uma nova interatividade entre os incluídos em news media conforme afirma Marshall (2004, p.27) "there is less distinct separation of tasks, for example, between work and leisure, or between shopping, or even between entertainment and education". Os jovens pertencentes às classes mais abastadas têm acesso ao ciberespaço, podendo usufruir das vantagens que o espaço digital pode oferecer em termos de diversidade e velocidade de informações, ampliando suas possibilidades de comunicação, educação, e inserção no mercado de trabalho, entre outros; ao passo que os jovens das camadas menos favorecidas ficam privados de desfrutar dos benefícios proporcionados pela acessibilidade digital, podendo comprometer não apenas suas oportunidades no mercado de trabalho, mas seu desenvolvimento educacional e cognitivo como um todo.


4 Aspectos de inclusão digital: o caso do Tabuleiro Digital

Tabuleiro Digital é uma iniciativa da FACED/UFBA <http://www2.faced.ufba.br/> pela inclusão digital da comunidade universitária e pelo público externo. O projeto é fruto de uma parceria entre a UFBA, a Fundação ADM e a Petrobrás, com apoio do Liceu de Artes e Ofícios e do Projeto Software Livre da Bahia. Segundo seu idealizador, Nelson Pretto (diretor da FACED/UFBA) o objetivo principal do projeto era tornar o uso da rede tão cotidiano e simples quanto comer um acarajé.

O Tabuleiro Digital está estruturado nas áreas de circulação dos três andares da Faculdade, reunindo 20 computadores, rodando software livre. As máquinas estão sobre suportes que lembram os tabuleiros das baianas. São de madeira, compensado, e têm os apoios em forma de "X" acompanhados de um pequeno banco sem encosto. Essa estrutura foi projetada pelo arquiteto Eduardo Rossetti, pensando em criar um ambiente versátil, onde as pessoas pudessem utilizar a Internet sem ficarem limitadas às salas de laboratórios de informática da própria Universidade.

Por ser um espaço público de socialização, totalmente desvinculado de salas de aula ou de qualquer disciplina, uma característica marcante de sua funcionalidade é a não pedagogização do uso da Internet (ou seja, sem a orientação sistemática sobre a utilização da Internet e programas disponíveis). Essa característica difere dos demais laboratórios de informática presentes em todas as unidades da Universidade.

Segundo Pretto (2006, entrevista), "o Tabuleiro é um ponto de encontro para quem quiser usar a Internet, para o fim que desejar. Não tem qualquer controle ou supervisão por parte de professores ou funcionários da instituição". No entanto, um dos aspectos determinante da universalização de acesso condicionada à alfabetização digital, é que o acesso à rede exige dos usuários uma capacitação específica em informática.

Em seu estudo sobre os projetos enquadrados sob a denominação "inclusão digital" na cidade de Salvador, Lemos e Costa (2005) propõe uma matriz para a análise desses tipos de projetos, denominando-as de inclusão digital espontânea e induzida:

Espontânea - Formas de acesso e uso das TICs em que os cidadãos estão imersos com a entrada da sociedade na era da informação, tendo ou não formação para tal uso. A simples vivência em metrópoles coloca o indivíduo em meio a novos processos e produtos em que ele terá que desenvolver capacidades de uso das TICs. Como exemplo podemos citar: uso de caixas eletrônicos de bancos, cartões de crédito com chips, smart cards, telefones celulares, etc.

Induzida - Projetos induzidos de inclusão às tecnologias eletrônicas e às redes de computadores executados por empresas privadas, instituições governamentais e/ou não governamentais. Três categorias de Inclusão Digital Induzida:

Técnica - Destreza no manuseio do computador, dos principais softwares e do acesso à Internet. Estímulo do capital técnico.

Cognitiva - Autonomia e independência no uso complexo das TICs. Visão crítica dos meios, estímulo dos capitais cultural, social e intelectual. Prática social transformadora e consciente. Capacidade de compreender os desafios da sociedade contemporânea.

Econômica - Capacidade financeira em adquirir e manter computadores e custeio para acesso à rede e softwares básicos. Reforço dos quatro capitais (técnico, social, cultural, intelectual).

Após a análise dos projetos, os autores constataram que o Tabuleiro Digital se insere na categoria técnica da variável induzida, pois existe apenas disponibilização de computadores proporcionando a indução da utilização da Internet e dos softwares disponíveis.

Aproveitando o estudo realizado por esses autores, foram levantadas as prospecções para a análise empírica a partir do perfil do usuário do Tabuleiro Digital (idade, escolaridade, ocupação e renda familiar) e alguns cruzamentos de variáveis qualitativas que explicam os aspectos desse tipo de inclusão. Também se procurou fazer algumas ligações com as definições de inclusão digital na visão de Takahashi (Brasil..., 2000), Rondelli (2003), Sorj (2003) e Warschauer (2006).


4.1 Recorte metodológico da pesquisa

A pesquisa se caracterizou como um estudo de caso, com a realização de levantamento sobre o Tabuleiro Digital da FACED/UFBA, que tem como usuários potenciais os habitantes da cidade de Salvador no Estado da Bahia (Brasil). A amostra foi composta por 75 usuários deste telecentro, selecionada pelo critério da acessibilidade, entretanto, este foi adotado apenas entre aqueles usuários que já haviam freqüentado o Tabuleiro pelo menos três vezes. Também integraram a amostra duas pessoas envolvidas com o projeto, sendo um docente e um prestador de serviços da FACED que, eventualmente, atende as demandas dos usuários.

Para a coleta de dados foram utilizadas as técnicas da observação direta, aplicação de questionários e realização de entrevistas. As entrevistas foram realizadas com o docente e o prestador de serviços, já os questionários foram aplicados junto aos usuários que freqüentaram os três turnos que compreendem o horário de funcionamento do telecentro. As atividades desenvolvidas por eles no Tabuleiro foram observadas diretamente pelas pesquisadoras no mesmo período.

Quanto aos instrumentos, registra-se que o questionário foi composto de questões abertas e fechadas, buscando-se obter informações sobre o perfil dos usuários, sobre a utilização que estes fazem do telecentro e sobre suas demandas para esse espaço de acesso à Internet. No diário de campo procedeu-se o registro cursivo das informações levantadas durante o desenvolvimento das atividades no telecentro. Também foi realizada uma análise do próprio site do Tabuleiro. O tratamento estatístico dos dados foi efetuado por meio do software Sphinx, com análise desenvolvida a partir da integração das abordagens quantitativa e qualitativa.


4.2 Apresentação e discussão dos resultados

O exame dos dados indicando a freqüência no tabuleiro apresenta que os jovens de 17-21 (33,3 %), em sua maioria estudantes, são os maiores usuários. Também foi possível perceber uma alta freqüência para a faixa etária de 12-16 anos (28,0 %) e 22-26 anos (24,0 %). De 27-31 (6,7 %) e na amostra de mais de 32 anos (3,0 %) se enquadra um morador de rua que é usuário assíduo do telecentro.

Interessante que, a despeito da localização do telecentro – dentro dos limites de uma faculdade situada afastada de residências e da rota de passagem do grande público – observou-se uma freqüência regular de estudantes de nível médio "fardados com camisas" de escola pública.

Pôde-se observar também a presença de estudantes de nível superior incompleto (38,7 %), porém dentre os que freqüentam "mais de uma vez por semana" (36,0 %) e "todos os dias" (14,7 %) estão como maiores freqüentadores os que possuem grau médio incompleto com 17 ocorrências, seguido do nível superior, com 14. Dos usuários do Tabuleiro Digital que estão cursando o nível superior, 54 % são alunos da FACED. Por serem estudantes desta instituição, além da opção de utilizarem o telecentro, eles também têm acesso aos laboratórios de informática. Os estudantes de outras instituições de ensino representam 45,16 % do total de respondentes que estão cursando o nível superior, verificou-se também que grande parte destes são estudantes da Universidade Federal, prevalecendo os estudantes do Instituto de Letras, localizado no Campus de Ondina. No período em que foi realizada a pesquisa, observou-se um conflito1 existente entre grupos de pessoas da comunidade, estudantes de outras escolas e os estudantes da própria FACED.

Quando questionados sobre o principal impacto da Internet em suas vidas o fator "Relações sociais" foi o mais indicado na faixa etária que compreende 12 a 26 anos – público que também é o mais freqüente (89,3 %). O fator educação foi a segunda opção mais designada pelos que tem idade entre 12 e 26 como se confere no Quadro 1. As páginas de Governo Eletrônico – (GE) e empregabilidade apresentaram poucas indicações pelos usuários.


Impacto x IdadeEmpregabilidadeEducaçãoRelações SociaisFacilidade nos serviços de utilidade publicaTotal
12-16
1
7
12
1
21
17-21
4
7
11
3
25
22-26
0
8
9
4
21
27-31
1
4
0
0
5
32-mais
0
1
1
0
2
Total
6
27
33
8
75*

Quadro 1. Impacto da Internet na vida dos usuários
*O valor corresponde à soma de uma observação sem resposta ao total em linha e em coluna


Pôde-se observar que para os freqüentadores do Tabuleiro, a Internet é um meio de comunicação mais rápido e que funciona como encurtador de distâncias enquanto meio fomentador das relações sociais. Muitos adicionaram às suas respostas, que as ferramentas que promovem as redes sociais on-line facilitam a comunicação que incluem parentes, amigos e outros conhecidos que vivem alhures, sendo mais barato comunicarem desta maneira do que por telefone, por exemplo. Assim é o caso de comunidades como Orkut, muito utilizado em centros de acesso público (Tabela 1).


Importância do OrkutFreqüênciaFreq. relativa
Fortalecer laços de amizade
60
80,0 %
Meio profissional
5
13,3 %
Não resposta
10
6,7 %
Total
75
100 %

Tabela 1. Uso do Orkut


Notou-se que em média oito de cada nove usuários dos quiosques do telecentro está conectado ao Orkut acessando como tarefa principal ou minimizado, enquanto executa uma outra ferramenta de comunicação on-line como MSN ou e-mail. Contudo chamou a atenção à utilização desta ferramenta por um usuário que se denominou músico, morador de rua e que a utiliza como meio de comunicação profissional entre seus pares no que concerne à música.

Segundo Warschauer (2006) a obtenção de letramento e o acesso a TIC proporcionam habilidade para o indivíduo processar e utilizar a informação, que só é possível através da conectividade, um viés essencial para promoção da inclusão digital.


Telefone casa
Renda
Não respostaSimNãoTotal
Não resposta
1
0
0
1
Até um SM
0
7
2
9
De um a dois SM
0
14
5
19
De dois a três SM
1
12
3
16
De três a cinco SM
0
19
0
19
De cinco a dez SM
0
7
1
8
De dez a 20 SM
0
1
1
2
Mais de 20 SM
0
1
0
1
TOTAL
2
61
12
75

Quadro 2. Incidência de linhas telefônicas


Computador casa
Renda
Não respostaSimNãoTotal
Não resposta
1
0
0
1
Até um SM
0
1
8
9
De um a dois SM
0
5
14
19
De dois a três SM
0
5
11
16
De três a cinco SM
0
8
11
19
De cinco a dez SM
0
5
3
8
De dez a 20 SM
0
2
0
2
Mais de 20 SM
0
1
0
1
TOTAL
1
27
47
75

Quadro 3. Incidência de computadores nos lares


Embora os quadros 2 e 3 apresentem pouca incidência nos entrevistados com mais de cinco salários mínimos (SM), deve-se levar em consideração um outro dado que é revelado quanto a necessidade de conexão, a partir de centros de acesso livre, por parte da população com renda familiar inferior a cinco (SM). Porém dos 61 usuários que possuem telefone em casa, verificou-se que 47 não possuem computadores em suas residências, fazendo do telecentro uma das formas de manter contato com, pelo menos, os "recursos físicos" que promovem a inclusão.

Sabe-se que o acesso físico à Internet e computadores, sem a aplicação correta do conteúdo, não funcionam como ferramentas facilitadoras para uma inclusão social plena do individuo. Entretanto, disponibilizar formas de acesso, a exemplo desses usuários "incluídos" pelo Tabuleiro Digital, já é um resultado no mínimo estimulante para se agregar alternativas que visem associar a disponibilização de TICs e conectividade juntamente com incitação de habilidades que promovam a produção do conhecimento nesses telecentros.

Em relação à utilização das ferramentas disponíveis nos computadores do Tabuleiro Digital, 73 % dos entrevistados afirmaram que utilizavam este telecentro apenas para o acesso à Internet, enquanto que 25 % dos usuários, além de acessar a Internet, faziam uso dos softwares disponíveis nas máquinas (editores de textos, planilhas de cálculo, documentos de apresentação e outros). Alguns dos motivos apontados pelos quais os usuários do Tabuleiro Digital optem apenas pelo acesso à Internet e não utilizem outras ferramentas disponíveis, foram que as dúvidas existentes e dificuldades no uso dos recursos, devidos, provavelmente, a não terem recebido treinamento para o uso dos programas disponíveis. No entanto, os responsáveis pelo projeto do Tabuleiro estão organizando uma seleção de monitores para fornecer as orientações necessárias na utilização das ferramentas disponíveis nas máquinas, aumentando assim os escopos de opções para os usuários.

Esta variável reitera a necessidade de que sejam realizados novos estudos sobre este telecentro, já que sua proposta não é nem atender a comunidade acadêmica – mesmo estando dentro de uma Faculdade – nem de atender a comunidade local, por ser de difícil acesso. A divulgação é feita entre os usuários através do "boca a boca", mas como confiar na sua eficácia se a maioria dos entrevistados manifestou pouco interesse em atrair novos usuários? Como se promove inclusão digital dentro destas circunstâncias?2


Uso da InternetQuant. Citações
Programas de mensagens instantâneas (MSN, ICQ e outros)
49
Chats (Bate papo)
3
Orkut
54
Correio eletrônico (e-mail)
39
Home page
8
Sites de busca
25
Biblioteca da UFBA (on line)
6
Informações Científicas (periódicos, banco de teses/dissertações)
7
Não resposta
1

Quadro 4. Incidência do uso da Internet


O Quadro 4 apresenta as ferramentas on line e/ou quais os tipos de sites são mais utilizados pelos usuários do Tabuleiro (questão de múltipla escolha). Conforme visto em análises anteriores existe uma predominância no número de usuários adolescentes e jovens; nesta tabela observa-se um grande número de citações para o acesso ao Orkut (54) e programas de mensagens instantâneas (49), lembrando que estes tipos de ferramentas – principalmente o Orkut – têm sido as preferidas dos usuários mais jovens. Mesmo sendo um telecentro, instalado em uma instituição de ensino superior, dos 75 entrevistados apenas sete afirmaram acessar sites com informações científicas, vale ressaltar também que 41,3 % do total dos entrevistados estão cursando o nível superior. Essa constatação não permite dizer que esses estudantes não buscam informações científicas em outros locais de acesso (como nos laboratórios das instituições de ensino superior), mas seu acesso no Tabuleiro poderia ser algo oportuno e de estímulo a outros usuários na geração desse tipo de conhecimento. Alguns sites de fomento à pesquisa, a exemplo do Portal de Periódicos CAPES, somente podem ser acessados nos domínios da universidade pública.

Ainda em relação à preferência dos jovens foi revelado que dentre as opções de finalidade no uso da Internet o entretenimento foi a mais indicada, 51 vezes. A opção por realizar trabalho escolar foi a segunda mais indicada (39), ou seja, 52 % dos usuários do Tabuleiro encontraram neste telecentro a oportunidade de garantir suas atividades escolares, mesmo sentindo algumas dificuldades na utilização dos softwares disponíveis (editores de textos e planilhas de cálculo) em software livre. Realizar pesquisas acadêmicas (28) e buscar informações específicas (religião, política, "tribos") apontadas por 22 observações, além de 21 citações para mídias eletrônicas (jornais, revistas, etc.) leva a acreditar que se houvesse orientação o Telecentro poderia estimular o lado educativo, podendo passar para categoria cognitiva. Vislumbra-se tal perspectiva, principalmente, por se tratar de uma iniciativa que atende na grande maioria estudantes (89,3 %), cursando do nível fundamental incompleto ao superior incompleto, entre 12 e 26 anos e por ser instalado dentro da Faculdade de Educação.

Dentre as opções menos indicadas estão esportes 17, busca de emprego 13 e governo eletrônico com 5 citações. Esses dados chamaram à atenção que, neste telecentro, os usuários procuram a Internet, muito mais com a finalidade de atividades ligadas à interação e ao entretenimento.

Com relação às habilidades de uso da Internet, a pesquisa verificou que a maioria dos respondentes (no total de 44) possui a capacidade de baixar arquivos e instalar programas; 41 responderam que são capazes de entrar numa sala de bate-papo; 26 estão aptos para entrar em uma lista de discussão e 22 conseguem fazer o (re)cadastramento em sites. Se relacionarmos estes resultados com o perfil da maioria jovem e de baixa renda dos respondentes, talvez seja possível produzir uma análise adicional sobre os hábitos de uso da Internet entre diferentes grupos sócio-demográficos. Por exemplo, somente 15 respondentes disseram ser capazes de fazer compras pela Internet, 12 constroem blogs, 9 disseram que conseguem instalar programas advindos da rede e outros 5 disseram saber realizar transações bancárias. Ora, se a maioria dos sites que permitem a efetuação de compras e de transações bancárias pela rede é intuitiva; talvez seja possível inferir que estas habilidades não foram desenvolvidas em função de condições sócio-econômicas específicas, mais do que uma falta de habilidade em função da dificuldade de se executar tais tarefas.

Diante das análises anteriores e levando em consideração as classificações de Lemos e Costa (2005), pode-se confirmar, pelas características do projeto e pelo perfil da grande maioria dos usuários, que o tipo de inclusão induzida na perspectiva técnica é o mais percebido no telecentro da FACED. A visão desses pesquisadores parte da premissa de que o processo de "inclusão" deve ser visto sob os indicadores econômicos, cognitivos e técnicos visando à ampliação dos capitais técnico, cultural, social e intelectual. No entanto, para aquele tipo de usuário que tem certa habilidade no uso dos meios digitais, autonomia e independência no uso complexo das TICs, além de possuir uma visão crítica destes meios, passaria para o nível de inclusão induzida cognitiva contribuindo para o aumento dos quatro capitais citados.

Na abordagem de Takahashi (Brasil, 2000) e Warschauer (2006), que colocam a educação e o aprendizado como algo preponderante na construção de uma sociedade da informação, não bastaria o telecentro disponibilizar uma infra-estrutura moderna de comunicação, mas sim a transformação da informação em conhecimento. No período em que foi realizada a pesquisa, não foi observado o estímulo ao uso dos meios de forma proveitosa, porém os responsáveis pelo projeto, neste mesmo período abriram um processo para a seleção de monitores, visando oferecer uma orientação específica aos usuários do telecentro. Seria um estímulo à alfabetização digital e posteriormente um incentivo na construção do conhecimento?

Segundo a visão de Sorj (2003) dos cinco níveis interdependentes da inclusão digital, o projeto Tabuleiro Digital atenderia apenas aos dois primeiros níveis, Infra-estrutura de Comunicação e Equipamentos, deixando de oferecer os três níveis restantes, que seriam o Treinamento, a Capacitação Intelectual do Usuário e o estímulo à Produção de Conteúdo.

A visão de Rondelli (2003) não diverge da visão de Takahashi discutida no Livro verde em 2000 (Brasil..., 2000). De acordo com os passos de inclusão definidos pela autora, o Tabuleiro Digital teria dado o primeiro passo (a oferta de computadores conectados em rede) para a inclusão digital. Porém, para incluir digitalmente o processo é mais complexo, pois não basta favorecer, somente, o acesso aos meios digitais.

E para concluir este processo, vislumbra-se criar oportunidades para que os aprendizados feitos a partir dos suportes técnicos e digitais possam ser empregados no cotidiano da vida e do trabalho. Ou seja, o processo engloba desde a indução de maneira educativa (onde a aprendizagem tem papel fundamental) até a exploração máxima dos meios digitais na atual era da informação.


5 Considerações finais

Diante dos aspectos inerentes à inclusão digital na sociedade da informação, percebe-se que a inclusão vai além de um acesso físico aos recursos técnicos, ou seja, computador e Internet. É preciso criar condições para fomentar um uso crítico, livre e inventivo em relação às novas tecnologias de informação e comunicação.

Após o estudo empírico que revelou o perfil dos usuários do telecentro observado e as variáveis intrínsecas à categoria de inclusão digital, ficou evidenciado que segundo as características do projeto é pertinente classificá-lo como de inclusão digital induzida. Quanto ao acesso, constatou-se que este é centrado na técnica, proporcionando mero acesso ao manuseio dos recursos técnicos (computadores e Internet). Os dados obtidos confirmaram uma forte demanda por parte dos usuários de orientação para utilização dos recursos - tanto dos softwares quanto da Internet - assim como pela regulação do período de acesso. Tais necessidades apontadas pelos usuários colocam em questão a aplicabilidade do telecentro, se levarmos em consideração que os usuários anseiam pela oferta de recursos, além daqueles que são atualmente disponibilizados. Solicitar a alguém que oriente na navegação de páginas e na utilização de aplicativos do software livre indica que este telecentro poderia potencializar "o além" acesso às ferramentas técnicas e ao conteúdo da Internet para seu público – formado, na sua maioria, por estudantes de escolas públicas e moradores de rua – à fim de quiçá desenvolver o potencial cognitivo desses usuários.

Foi percebido que a ausência de monitores (Recurso Humano) neste telecentro se constituía em uma lacuna geradora de conflitos entre os usuários internos (estudantes da FACED) e usuários externos, quanto ao uso dos recursos. Além desses fatores, constatou-se a preocupação dos usuários quanto à ausência de segurança no local e de controle dos sites visitados. Tanto a falta de um treinamento quanto à ausência de controle do conteúdo acessado, podem ser compreendidos como as causas do uso mais intenso da Internet para fins de entretenimento. Assim, em razão de se tratar de um estudo de caso, cuja seleção da amostra não foi aleatória, conclui-se que há uma necessidade de desenvolvimento de novos estudos que verticalizem a compreensão desses comportamentos e as relações com a ausência de mediadores humanos nos telecentros.

Desse modo, a apropriação plena dos meios digitais exige mais do que o simples uso técnico das ferramentas, demanda outras habilidades como a capacidade de transformar a informação em conhecimento e de produzir conteúdos. Sendo assim, um ambiente que se propõe promover uma inclusão digital efetiva, precisa oferecer condições favoráveis ao desenvolvimento dessas habilidades adicionais.

Um telecentro é considerado um espaço capaz de combater com eficácia a exclusão quando este reúne em seu projeto: conectividade, tecnologia da informação e da comunicação além de recursos humanos que relacionados de maneira interativa e efetiva tornam-se capazes de gerar o conhecimento, valorizado na sociedade atual. Tais recursos não foram constatados por este estudo no Tabuleiro Digital, e em decorrência de tais condições confirmou-se que se enquadra na categoria técnica.

Percebe-se a importância de se criar nessas iniciativas uma estratégia que abarque os recursos necessários que favorecem o acesso a conteúdos que transformam o lado cognitivo de seus usuários. Pois é através do acesso às fontes de informação adequadas, que o indivíduo pode transformar esse insumo em conhecimento e, mais tarde, explicitá-lo como informação acrescida de relevância para o desenvolvimento do lado sócio-econômico.


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Recebido: Maio, 2008. Aceite: Julho, 2008




Notas

1 O conflito, com relação à utilização das maquinas, era muito mais referente ao conteúdo acessado e tempo de utilização.

2 Essas questões foram incitadas no decorrer do tratamento dos dados, fator que estimula a continuidade do estudo nesses projetos.