Número 42 (junio 2019)

Do processo de seleção à recomendação de leituras literárias na biblioteca

 

[Versió catalana]


Patrícia de Almeida

Professora
Faculdade de Letras
Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação
Universidade de Coimbra

 

Resumo

Introdução: O trabalho debruça-se sobre o processo de seleção de leituras literárias, associando os atos de mediação da leitura, implícita e explícita, às práticas de recomendação leitora.

Objetivo: Conhecer melhor o processo de seleção de leituras literárias por utilizadores de biblioteca, de forma a que se abram pistas para possíveis ajustes nas práticas de recomendação leitora, no âmbito da mediação da informação.

Metodologia: Estudo de caso, com recurso a um questionário a jovens leitores.

Resultados: Confirma-se que: o público feminino é mais leitor de livros de ficção; a seleção de leituras é maioritariamente feita na biblioteca e não em momento anterior; o papel especializado dos profissionais da biblioteca na recomendação de leituras é reconhecido. Constata-se que: existe serendipidade e solidão do leitor no momento da seleção de leituras; que o assunto da obra literária é considerado o elemento mais relevante, tanto no momento de seleção com no de recomendação leitora. Conclui-se que podem ajustar-se as práticas de recomendação de leituras literárias aos interesses e comportamentos dos leitores, nomeadamente investindo na mediação implícita da informação.

Resum

Introducció: aquest treball se centra en el procés de tria de lectures literàries, relacionant els actes de mediació de la lectura, implícita i explícita, amb les pràctiques de prescripció lectora.

Objectiu: conèixer millor el procés de tria de lectures literàries per part dels usuaris de la biblioteca, per obtenir pistes per a possibles adaptacions de les pràctiques de prescripció lectora, en l'àmbit de la mediació de la informació.

Metodologia: estudi de cas, mitjançant un qüestionari a joves lectors.

Resultats: es confirma que el públic femení llegeix més llibres de ficció, que la tria de les lectures s'efectua principalment a la biblioteca i no amb anterioritat i que es reconeix el paper especialitzat dels professionals de la biblioteca en la prescripció de lectures. A més, es constata que hi ha serendipitat i solitud del lector en el moment de la tria de lectures i que la matèria de l'obra literària es considera l'element més rellevant, tant en el moment de la tria com en el de la prescripció lectora. Es conclou que es poden adaptar les pràctiques de prescripció de lectures literàries als interessos i comportaments dels lectors, especialment apostant per la mediació implícita de la informació.

Resumen

Introducción: este trabajo se centra en el proceso de elección de lecturas literarias, relacionando los actos de mediación de la lectura, implícita y explícita, con las prácticas de prescripción lectora.

Objetivo: conocer mejor el proceso de elección de lecturas literarias por parte de los usuarios de la biblioteca para obtener pistas para posibles adaptaciones de las prácticas de prescripción lectora en el ámbito de la mediación de la información.

Metodología: estudio de caso, mediante un cuestionario a jóvenes lectores.

Resultados: se confirma que el público femenino lee más libros de ficción, que la elección de las lecturas se efectúa principalmente en la biblioteca y no con anterioridad y que se reconoce el papel especializado de los profesionales de la biblioteca en la prescripción de lecturas. Además, se constata que hay serendipia y soledad del lector en el momento de la elección de lecturas y que la materia de la obra literaria se considera el elemento más relevante, tanto en el momento de la elección como en el de la prescripción lectora. Se concluye que se pueden adaptar las prácticas de prescripción de lecturas literarias a los intereses y comportamientos de los lectores, especialmente apostando por la mediación implícita de la información.

Abstract

Introduction: This article focuses on the process by which library users select works of fiction and considers the importance of informal and formal literacy mediation in readers’ advisory practices.

Objective: To understand in greater detail how users select works of fiction in order to tailor readers’ advisory practices in the area of literacy mediation.

Methodology: The research took the form of a case study using a questionnaire addressed to young readers.

Results: The questionnaire showed that young women read more works of fiction than young men and that library users generally chose a book at the moment they visited the library rather than beforehand. Library professionals were important in providing readers’ advisory. The questionnaire also revealed that the moment when a book was chosen was characterised by its solitary nature, its lack of planning and the importance given to chance discovery. Furthermore, the subject of the work of fiction was considered to be the most important factor in the choice, both for the user and in readers’ advisory practices. The article concludes that readers’ advisory practices can be tailored to library users’ interests and behaviour, and that it is especially important for library professionals to find informal ways to work as literacy mediators.

 

1 Introdução

Na generalidade das bibliotecas, o incentivo à leitura é um trabalho principal, abrindo caminhos para que indivíduos de todas as idades se sintam constantemente desejosos de ler (Almeida Júnior; Bortolin, 2007). Neste sentido, a mediação da leitura é uma tarefa base e transversal a todo o trabalho dos profissionais da informação, em concreto dos bibliotecários. Daí que, em Ciência da Informação, a mediação seja tida como "uma ação influente nos processos informacionais, tratando-se de procedimento profissional qualificado, comum em bibliotecas e em outros ambientes de uso intensivo de informação, considerando-se a autonomia e a subjetividade de quem oferta e de quem usa a informação" (Arruda; Oliveira, 2017, p. 231).

Esta mediação não se limita, contudo, às atividades relacionadas diretamente com o público e está também presente em todas as ações dos profissionais da informação (Almeida Júnior; Bortolin, 2007, p. 6). De uma forma genérica, a mediação da informação mostra-se como uma interferência que determina todo o trabalho do bibliotecário; especificamente, as ações relativas à organização do conhecimento constituem atos de mediação no quotidiano dos profissionais da informação (Almeida Júnior; Neto, 2014). Assim, em sentido lato, considera-se que toda e qualquer intromissão entre um leitor e um documento, efetuada por um profissional qualificado, é, sem dúvida, um ato de mediação. Saliente-se que, entre outras e à semelhança do que defendem Almeida, Farias e Farias (2018), o papel de mediador exige uma série de competências relacionadas com a organização, a representação, o acesso, a utilização, a apropriação da informação e com o comportamento humano, isto face às necessidades informacionais dos utilizadores.

Alguns autores referem uma possível divisão entre mediação implícita e mediação explícita (Almeida Júnior; Bortolin 2007; Santos; Renault, 2018). Na perspectiva do utilizador, a primeira está visível na catalogação dos documentos, uma vez que a aquisição e o tratamento técnico constituem uma interferência que medeia o documento e o leitor. Isto mesmo é apontado por Redigolo e Silva (2017), quando afirmam que as atividades relativas ao tratamento temático da informação fazem parte da relação entre o utilizador e a informação e que esta mediação exige dos profissionais habilidades, saberes técnicos e um compromisso com a sociedade – o conhecimento registado é mediado, o que permite que se torne conhecimento socializado. Muito embora esta sua importância social, Neto e Almeida Júnior (2017) referem que a mediação implícita é pouco lembrada e pouco debatida nos estudos da área e que, comparativamente, a mediação explícita é mais investigada e discutida.

Talvez por se mostrar mais notória, a mediação explícita é mais (re)conhecida. Entre muitas outras, facilmente se recordam atividades como os encontros com escritores e ilustradores, as comunidades de leitores, a hora do conto, os trabalhos com poesia, as malas de leitura, as feiras do livro, os diários de leitura, as performances ou pequenos espetáculos teatrais (Frizon; Grazioli, 2018), entre outros. Neste enquadramento, será aqui que cabe falar de recomendação leitora como um ato de mediação explícita. A recomendação de leituras poderá apresentar-se como uma iniciativa do serviço de informação, por exemplo através das acima referidas atividades de mediação, ou como uma solicitação direta e declarada dos leitores, algo mais próximo do serviço de referência, este também um claro ato de mediação. De forma automática e com recurso ao digital, a recomendação leitora também poderá ser implementada por via de um sistema inteligente, que forneça sugestões personalizadas (recomendações) aos utilizadores sobre um (ou vários) determinado assunto (Moya, 2013).

Não será o mais habitual que, ao entrar numa biblioteca, os leitores saibam de antemão o documento que vão escolher para requisitar e ler. Umberto Eco (1994) refere mesmo que é um mal-entendido pensar que o leitor vai à biblioteca requisitar um livro cujo título já conhece; por isso, uma das funções da biblioteca e seus profissionais é a de (fazer) descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que se poderão revelar de extrema importância para os leitores. Neste contexto, os bibliotecários são considerados agentes especializados de informação, logo de mediação e de recomendação leitora, pelo que a sua intervenção é frequentemente solicitada pelos utilizadores, em especial tratando-se de leitores mais jovens ou imaturos.

Em acordo com Almeida Júnior e Bortolin (2007, p. 3), "quanto mais imaturo o leitor, mais precisará de um outro 'personagem' no processo de leitura, que denominamos de mediador de leitura". Nestes casos, uma possível ausência de mediação especializada acarretará mudanças importantes, tanto na forma como se chega ao leitor como nas características discursivas dos textos (Lluch, 2010). Assim, a biblioteca é, sem dúvida, uma referência no projeto de formação de leitores; logo, se um aluno chega ao ensino superior sem maturidade leitora, isso significa que não houve uma continuidade nas ações de promoção da leitura, ou seja, um prosseguimento do processo de formação de leitores em momento escolar anterior (Silva, 2015).

Desde cedo que as bibliotecas escolares constituem, então, uma referência nas recomendações leitoras (começando pela leitura infantil e, mais tarde, juvenil e adulta), promovendo frequentemente ações diversificadas no âmbito da mediação de leitura (Netzel 2017), encaminhando o leitor para novas descobertas e novas aventuras (Almeida Júnior; Bortolin 2007). Isto acontece desde o sistemático empréstimo de livros para leitura domiciliária até às constantes e diversificadas ações de incentivo à leitura (Gomes; Bortolin, 2011). Não raras vezes, mesmo a mediação da leitura em contexto familiar tem o seu sustento em contexto escolar (Balça; Azevedo; Barros, 2017; Frizon; Grazioli, 2018). Daí que a atuação do bibliotecário escolar ou professor bibliotecário se apresente como imprescindível na mediação da leitura e na formação de leitores (Bicheri; Almeida Júnior, 2013), em alguns casos tendo por base um simples suporte oral (Bortolin; Cavalcante; Neto; Almeida Júnior, 2015). Pode-se, então, afirmar que, para a generalidade dos casos, sem a intervenção da escola (e nela, muito particularmente, da biblioteca escolar), não se consolida devidamente a leitura pessoal e que a diminuição da leitura na escola será possivelmente proporcional ao declínio da leitura pessoal em idade adulta (Colomer; Manresa, 2008).

Compreensivelmente, os funcionários de uma biblioteca, por mais pequena que esta seja, não conhecem a fundo todos os documentos da coleção e socorrem-se das informações catalográficas para melhor pesquisar e recuperar os documentos, nomeadamente através dos dados inerentes à classificação e à indexação. Se a primeira permite situar uma obra numa classe ou domínio específico do conhecimento, a última possibilita um saber mais aprofundado sobre o(s) seu(s) assunto(s). Desta forma, na posse de termos controlados de assunto, é possível ao bibliotecário selecionar e recomendar, com alguma segurança, as leituras que vão ao encontro dos interesses e das solicitações dos leitores.

Tradicionalmente, em muitos países, os textos de ficção não apresentam termos de indexação na generalidade dos catálogos das bibliotecas, sendo a classificação feita por género literário e não por assunto (Almeida, 2019). Tomando o caso da Classificação Decimal de Dewey, atribui-se 800 à Literatura, 810 à Literatura Americana, com notação 1 para Poesia, 2 para Teatro e 3 para Ficção Americana. À semelhança, na Classificação Decimal Universal, atribui-se 82 a documentos de Literatura, com auxiliares de forma: 82-1 Poesia; 82-2 Teatro; 82-3 Prosa narrativa; 82-31 Romance; 82-32 Conto; 82-4 Ensaio. Ora, embora útil para a organização dos documentos na biblioteca, este sistema não ajuda muito na seleção de leituras, uma vez que, dentro de um só género, existe uma infindável variedade de possibilidades de leitura. Nem mesmo a divisão em subgéneros (por exemplo, na Classificação Decimal Universal, encontra-se notação para romance psicológico, romance histórico, romance cómico, romance religioso, romance policial…) poderá ser suficiente para um bibliotecário se certificar da adequação da leitura ou se esta corresponde à procura do leitor. Imagine-se que um leitor possa procurar um romance histórico pensando na época medieval ou em temas como a guerra colonial e recuperar ou ser-lhe recomendado um romance cujo enredo verse outra temática e se desenrole em outro período histórico.

Assim, a informação obtida através do processo de tratamento técnico do documento literário poderá não ser um auxílio suficiente para uma rápida e eficaz recuperação da informação/seleção de leituras e, consequentemente, não ser útil enquanto estratégia de mediação no âmbito da recomendação leitora. Contudo, reconhece-se que a Literatura é considerada uma área difícil e quase impossível para a indexação por assunto, pelo menos de forma consistente, exaustiva e específica, isto por estar sujeita a ambiguidades e à livre interpretação (Hypén; Mäkelä, 2011; Fedeli, 2015). No entanto, os catálogos de bibliotecas norte-americanas, inglesas, finlandesas ou polacas mostram que a indexação por assunto de textos ficcionais não é uma miragem (Almeida, 2019).

Num processo de seleção de leituras literárias, e face à impossibilidade de se procurar um livro por assunto (da mesma forma que se poderia fazer para os documentos não ficcionais), será expectável que o leitor aborde diretamente e solicite a ajuda do bibliotecário, reconhecendo-lhe conhecimento especializado para tal. Todavia, pelos motivos expostos, os sistemas de classificação bibliográfica também não facilitam o trabalho de recomendação leitora aos profissionais da informação, que são obrigados recorrer ao seu conhecimento pessoal ou não poderão dar uma resposta imediata às solicitações dos leitores. Fedeli (2015) relata que os utilizadores pesquisam por assunto mesmo tratando-se de obras ficcionais e que o profissional da informação mais não pode fazer do que recorrer à sua experiência pessoal, com certeza havendo casos em que as solicitações dos utilizadores não serão atendidas. Por certo, isto acarretará consequências nefastas para a boa imagem da biblioteca e dos seus profissionais e para a produção de conhecimento e desenvolvimento das capacidades cognitivas dos seus utilizadores, uma vez que a prática da leitura comprovadamente desenvolve o vocabulário e a decodificação da mensagem, propiciando a construção de circuitos neurais no cérebro (Wolf, 2007).

De uma forma geral e nos últimos anos, são poucos os trabalhos e os investigadores em Ciência da Informação e Biblioteconomia que se interessam pela temática da mediação (Arruda; Oliveira, 2017) e dos sistemas de recomendação (Alvarez; Vidotti, 2017) e escassos os que tratam, em específico, a mediação implícita da leitura literária. Tal facto estará na origem de expectáveis e prejudiciais efeitos, tanto no trabalho quotidiano dos bibliotecários como nos hábitos de leitura de todos os cidadãos. Muito embora as compreensíveis dificuldades e obstáculos, não se pode esquecer que os bibliotecários devem traçar trajetórias cognitivas e empreendê-las de forma consciente, pautando-se por princípios da mediação implícita ou explícita centrados nas necessidades do utilizadores (Almeida; Farias; Farias, 2018).

Neste contexto, as bibliotecas devem ir ao encontro das necessidades, expectativas e formas de pensar dos seus utilizadores, pelo que a investigação do seu comportamento encontra sempre pertinência. Assim sendo, propõe-se um estudo, cujo objetivo é conhecer melhor o processo de seleção de leituras literárias por utilizadores de biblioteca, de forma a que, no âmbito da mediação da informação, se abram pistas para possíveis ajustes nas práticas de recomendação leitora.

 

2 Metodologia

Para dar cumprimento a este objetivo, efetua-se um estudo de caso exploratório, com recurso a um questionário, de forma a auscultar de uma forma direta os utilizadores de uma biblioteca. O público escolhido é o jovem, uma vez que são as suas práticas que vão ditar as dos adultos num tempo futuro, sendo uma base média de trabalho para ajustamentos, constituição ou consolidação de práticas de recomendação leitora. Acresce que, em algumas comunidades, são os jovens o grupo social que mais lê livros, revistas e sítios da Web (Federación de Gremios de Editores de España, 2018), e que apresentam altos índices de motivação autónoma para a leitura (Oliveira; Bzuneck; Oliveira, 2018).

Nesta lógica, foi selecionada uma biblioteca de uma instituição educativa com ensino básico (3.º ciclo) e secundário para a aplicação do questionário, no decurso do mês de novembro de 2018. Trata-se de uma escola do norte de Portugal, no concelho de Felgueiras, e esta é uma amostra por conveniência, dada a autorização da direção da escola e a franca colaboração da professora bibliotecária, que tornou possível a realização do estudo em contexto real. O questionário é constituído por sete perguntas, sendo duas relativas à caracterização dos respondentes e cinco relativas a um processo de seleção de leituras literárias imediato e efetivamente realizado por utilizadores de biblioteca.

Mediar um texto literário não pode ser apenas torná-lo um pretexto para atividades didáticas e implica um trabalho de mediação distinto do realizado para o texto não literário (Silva, 2015). Assim, seleciona-se a leitura literária, pela dificuldade que este tipo de texto representa para os profissionais da informação no âmbito da recomendação leitora e também porque é considerada um género estrela (Federación de Gremios de Editores de España, 2018). Optou-se por trabalhar:

  1. a leitura literária pessoal e não a relativa ao currículo, de forma a não enviesar resultados, já que a seleção desta última é condicionada pelos professores;
  2. o texto literário narrativo, pela sua existência em maior quantidade na biblioteca, quando comparado com o texto dramático ou com o texto poético.

O questionário é de preenchimento voluntário em momento de requisição domiciliária, anónimo, individual, sendo muito breve, com respostas de escolha múltipla e em linguagem bastante simples, de forma a não criar obstáculos de entendimento ou de enfado aos alunos. Este instrumento foi elaborado e preenchido com recurso aos formulários do Google, de forma a simplificar o preenchimento e o tratamento das respostas. Os resultados são apresentados por questão, sendo efetuada a correspondente leitura e análise dos dados obtidos.

 

3 Resultados – apresentação e discussão

Neste estudo, participaram 28 alunos. O facto de o questionário ter estado disponível num curto espaço de tempo, de ser voluntário e de se cingir a um nicho de leituras justifica este número, sem que, acredita-se, tal invalide os resultados obtidos. Nas palavras de Alvarez e Vidotti (2017, p. 51), todos os utilizadores colaboram "no aumento da qualidade dos serviços, na construção das coleções, na representação e organização da informação, assim como na co-participação para solução das necessidades de outros usuários". Portanto, aceita-se que a palavra de uns é importante para a compreensão da palavra de todos e para o funcionamento da biblioteca. Este serviço de informação e estes alunos não terão nada que os diferencie dos seus congéneres, ainda assim os resultados a seguir elencados são interpretados no escopo particular deste estudo e não se infere informação geral.

 

  • Caracterização dos respondentes

O nível de estudos dos respondentes é maioritariamente o 3.º ciclo do ensino básico, por norma alunos entre os 12 e os 15 anos de idade, ainda que o ensino secundário se encontre representado por quase 36 %, correspondente a alunos entre os 15 e os 18 anos de idade.

O público feminino representa quase 68 %, um resultado que se pode considerar em linha com outros estudos do género, nomeadamente o de Oliveira, Bzuneck e Oliveira (2018), onde as meninas se encontram duas vezes mais representadas no cluster relativo a altos índices de motivação autónoma para a leitura e moderados para a motivação controlada. Também os últimos relatórios da Federación de Gremios de Editores de España (2018) revelam que as mulheres leem mais livros, revistas e redes sociais, enquanto os homens preferem a leitura de imprensa, blogues, fóruns. O público masculino está representado em cerca de 32 %.

 

  • Seleção de leituras literárias

No que toca ao início do processo de seleção de leituras, quase 86 % dos respondentes ainda não tinham escolhido o livro que iam ler quando entraram na biblioteca e apenas 14 % já o tinham feito. Estes resultados corroboram a literatura da área que relata que, na generalidade dos casos, os leitores escolhem as leituras na biblioteca e não em momento anterior, dando razão a vozes como as de Eco (1994). Confirma-se que, na maior parte dos casos, o leitor dirige-se à biblioteca em busca de algo novo e desconhecido, não para encontrar o que já conhece.

Para efetuar a escolha, 53,6 % dos respondentes procuraram sozinhos nas estantes até encontrar o livro correspondente ao seu interesse; 42,9 % pediram o livro diretamente ao bibliotecário ou assistente da biblioteca; e 3,5 % consultaram o catálogo e verificaram a localização do livro na estante.

Nesta questão, destaca-se a pouca autonomia e escassa utilização do catálogo da biblioteca pelos jovens utilizadores. É provável que os números reflitam o facto de o catálogo auxiliar na localização dos livros, mas não ajudar a selecionar as leituras literárias, como já se referiu, mediante a ausência de indexação por assunto e com o tratamento temático da informação sendo feito por forma/género. Desta feita, compreende-se que quase 43 % dos alunos tenham solicitado a intervenção especializada dos recursos humanos da biblioteca para a seleção das leituras. Este dado vai ao encontro dos investigadores que defendem que a generalidade dos leitores jovens necessita de um reforço ou de um acompanhamento no tempo que dedica à leitura e à eleição das suas leituras (Dueñas Lorente; Tabernero Sala; Calvo Valios, 2016). Ainda que seja um método de seleção de leituras válido, será talvez preocupante verificar que a maioria dos alunos procura sozinho um livro nas estantes até encontrar algo que se enquadre nos seus interesses e necessidades.

A serendipidade é um vocábulo advindo do inglês serendipity, cunhado pelo escritor britânico Horace Walpole em 1754 (Alvarez; Vidotti, 2017), e designa os acasos felizes e descobertas acidentais. Ainda que agradável, nos ambientes informacionais, a serendipidade não deve ser maioritária no que toca à seleção de leituras. Isto é válido não só pelo tempo que se despende no processo de seleção, mas porque existe uma alta probabilidade de o leitor sair da biblioteca sem um livro ou sem que este se enquadre verdadeiramente nos seus interesses. No caso em estudo, isto será mais grave principalmente por se tratar de um público jovem, com mecanismos de seleção leitora pouco consolidados. Por outro lado, é função das bibliotecas facilitar as escolhas dos leitores e proporcionar uma rápida recuperação da informação e, a este propósito, lembre-se a quarta lei da biblioteconomia de Ranganathan: Poupe tempo ao leitor! O acompanhamento do leitor e a rentabilização do seu tempo serão possíveis com a implementação de um sistema de recomendação leitora, que atue de forma proativa e sistemática e que ofereça aos utilizadores recomendações de produtos ou de serviços, relacionados com os seus interesses ou necessidades (Alvarez; Vidotti, 2017).

No decorrer do processo de seleção da leitura literária, 46,4 % dos alunos requisitaram a leitura recomendada pelos recursos humanos da biblioteca, o que mostra que estes são profissionais reconhecidos de recomendação leitora e que confirma a necessidade de orientação do público jovem. 32,1 % dos respondentes escolheram a leitura sozinhos, o que poderá ser preocupante por motivos anteriormente aqui explanados. Percentagens residuais mostram a pouca influência de outros intervenientes na seleção de leituras literárias, a saber, familiares e amigos (7,1 %) e professores (7,1 %). Com surpresa, destaca-se a pouca expressividade da recomendação de leituras dos meios de comunicação ou redes sociais (3,6 %), porventura mais ao gosto do público juvenil, bem como das atividades de mediação da biblioteca (3,6 %), entendendo-se aqui as de sua própria iniciativa em modalidade explícita. Nenhum utilizador manifestou a influência de editores ou livreiros.

No processo de seleção de leituras literárias, o elemento considerado mais importante foi o assunto (50 %), seguido de título do livro (39,3 %) e, com números residuais, a edição (7,1 %) e o género literário (3,6 %); elementos como autor, imagens e estilo de escrita não foram considerados pelos respondentes. Estes dados mostram que, muito embora os sistemas de classificação bibliográfica organizem e descrevam o texto literário pela forma/género, este aspeto não será o mais relevante. Na opinião dos utilizadores desta biblioteca, o assunto do livro será o elemento mais importante para a seleção de leituras literárias. Em linha com Fedeli (2015), os dados mostram que os utilizadores procuram o assunto do texto literário, no momento de seleção da leitura literária. Assim, e muito embora o que já se faz em âmbito de mediação da leitura explícita, coloca-se a hipótese de ser possível facilitar e melhorar o processo de seleção e de recomendação leitora através da mediação da leitura implícita, especificamente no que toca à indexação por assunto das obras literárias.

Os resultados da questão 7 vêm corroborar esta última ideia. Em momento de recomendação leitora, a larga maioria destes utilizadores de biblioteca gostaria de saber mais sobre o Assunto (temas, ação, personagens, espaços geográficos, época…) – 78,6 %, estando a considerável distância a preferência por informações sobre o Livro (género literário, edição, prémios…) – 17,9 % e por informações sobre o Autor (vida, obra, corrente literária, estilo de escrita…) – 3,5 %. Estes dados sugerem que o caminho da recomendação de leituras literárias deverá ter mais em conta o assunto das obras e priorizar os itens relacionados com este tópico.

 

4 Considerações finais

Este estudo aponta pistas de trabalho relevantes e parece mostrar que se pode fazer mais no âmbito da recomendação leitora, especialmente no que toca às leituras literárias e aos leitores imaturos. Relativamente ao momento, deverá investir-se no antes e sobretudo no durante, no tempo em que o utilizador está na biblioteca. Se o depois for vazio, isto é, se o leitor não encontrar o objeto do seu interesse ou necessidade, se este vazio se repetir, se o caminho for solitário, então será inevitável que o leitor questione o interesse da biblioteca, os seus fins e a sua missão (Cabral, 2017). Apesar das já muitas e reconhecidas atividades de mediação de leitura literária, sugere-se que o caminho dos utilizadores poderá ser mais facilitado, para que as demandas informacionais sejam sempre atendidas e em tempo útil, sem que o leitor seja deixado na solidão e votado à serendipidade.

Lembra Silva (2015, p. 488) que, "se para nadar é preciso piscina e água, para aprender a ler é preciso que haja livros, biblioteca e mediação de leitura". Assim, considera-se que haverá ainda espaço para melhorar os serviços de recomendação leitora e para facilitar o processo de seleção de leituras literárias. Em termos mais específicos, a mediação da leitura literária deverá adaptar-se aos comportamentos e interesses dos utilizadores e poderá ser aperfeiçoada nos seus aspetos implícitos, nomeadamente nos que respeitam à indexação por assunto, tradicionalmente quase inexistente para obras de cariz ficcional (Almeida, 2019).

Tendo por mote as pistas deixadas por este estudo, será pertinente que os profissionais das bibliotecas invistam mais na recomendação de leituras e que atribuam um maior relevo ao tratamento temático das obras literárias. Para tal, dever-se-á aprofundar as práticas de mediação implícita (concretamente a indexação por assunto) e investir no momento anterior à entrada do utilizador na biblioteca. Aqui, aventa-se como exequível o uso de ferramentas digitais, não só para o armazenamento e recuperação da informação, mas também para as dinâmicas da mediação da leitura, em específico para as práticas de recomendação leitora. Estas ferramentas poderiam ser úteis na medida em que permitiriam uma filtragem demográfica (baseada nas preferências de utilizadores com características semelhantes, por exemplo, idade, sexo ou ano letivo), uma filtragem colaborativa (por similitude de características dos utilizadores) ou para uma filtragem baseada no conteúdo (partindo do perfil de opções e valorações de um leitor, recomendar algo semelhante ao interesse já demonstrado por esse mesmo leitor, ou para uma utilização combinada de ambas (Moya, 2013). A recomendação leitora com base nestes mecanismos poderia facilitar processos e evitar a perda de tempo, bem como a solidão do leitor no momento da seleção de leituras literárias.

Este trabalho encontra limitações de ordem quantitativa, pelo que se propõe a sua continuação no tempo e em outras bibliotecas, para que, futuramente, se possam efetuar generalizações. Ainda assim, o estudo toca aspetos relevantes para a compreensão das necessidades dos utilizadores, porém poucos trabalhados pela Ciência da Informação, abrindo pistas de investigação e de ajustamento nas práticas de recomendação de leituras literárias em contexto de biblioteca.

 

 

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