María Luz Antunes1
Head Librarian, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (Instituto Politécnico de Lisboa), Lisboa, Portugal
APPsyCI – Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal
ORCID 0000-0003-0942-7601
Carlos Lopes
Professor Auxiliar, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal
APPsyCI – Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal
ORCID 0000-0002-6440-4739
Tatiana Sanches
Head Librarian, UIDEF, Instituto de Educação (Universidade de Lisboa), Lisboa, Portugal
APPsyCI – Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal
ORCID 0000-0002-4902-2628
Resumo
Objetivo: conhecer a atuação dos profissionais da informação no combate às fake news, através da análise das estratégias em competências de literacia da informação em contexto académico.
Método: realizou-se uma revisão da literatura indexada na Scopus e na Web of Science, associando fake news e a literacia da informação no contexto do ensino superior.
Resultados/Discussão: a Web of Science apresenta um total de 106 resultados e a Scopus de 43 resultados. A análise aponta para a descrição de iniciativas e projetos oriundos quer de bibliotecas do ensino superior, quer de profissionais da informação do mesmo setor, comprometidos com a causa do combate às fake news. A literatura sublinha a importância do fator educacional: a formação de utilizadores motivados para o conhecimento potencia a distinção da veracidade do que se afirma e permite identificar qual o cenário mais adequado para a produção de conhecimento. Indivíduos melhor preparados assumem como insuficiente a informação disponibilizada pela Internet. Neste processo, as bibliotecas e os bibliotecários do ensino superior são importantes agentes: porque se formam e porque formam, mantendo-se atuais e confiáveis. Sugere-se o desenvolvimento de medidas a implementar pelas instituições de ensino superior e pelos profissionais da informação para um eficaz combate às fake news, em especial no contexto académico. Concluiu-se que o conhecimento pode resultar em informação, mas a informação não resulta necessariamente em conhecimento – e a informação pode não ultrapassar o patamar da opinião, pelo que importa reforçar estratégias formativas.
Abstract
Aim of this study: To know the performance of information professionals in the fight against fake news, through the analysis of strategies in information literacy skills in an academic context.
Method: A review of the literature indexed on Scopus and the Web of Science, associating fake news and information literacy in the context of higher education, was carried out.
Results/Discussion: The Web of Science presents a total of 106 results and Scopus 43 results. The analysis points to the description of initiatives and projects from both higher education libraries and information professionals from the same sector, committed to the cause of fighting fake news. The literature stresses the importance of the educational factor: the training of motivated users for knowledge enhances the distinction of the truthfulness of what is stated and allows the identification of the most appropriate scenario for the production of knowledge. Better prepared individuals assume as insufficient the information made available by the Internet. In this process, libraries and librarians in higher education are important agents, as providers of learning and of updated and reliable information. It is suggested that measures be implemented by higher education institutions and information professionals to effectively combat fake news, especially in the academic context. It was concluded that knowledge can result in information, but the information does not necessarily result in knowledge – and information may not go beyond the level of opinion, so it is important to strengthen training strategies.
Resumen
Objetivo: Conocer la actuación de los profesionales de la información en la lucha contra las noticias falsas, mediante el análisis de estrategias en competencias de alfabetización informacional en el contexto académico.
Método: Se llevó a cabo una revisión de la literatura indexada en Scopus y en Web of science, asociando las noticias falsas y la alfabetización informacional en el contexto de la enseñanza superior.
Resultados / debate: Web of science tiene un total de 106 resultados y Scopus, de 43 resultados. El análisis muestra la descripción de iniciativas y proyectos de bibliotecas de enseñanza superior o de profesionales de la información del mismo sector, comprometidos con la causa de la lucha contra las noticias falsas. La literatura pone énfasis en la importancia del factor educativo: la formación de usuarios motivados por el conocimiento ayuda a distinguir la veracidad de lo que se afirma y permite identificar el escenario más adecuado para la producción de conocimiento. Las personas mejor preparadas asumen que la información disponible en Internet es insuficiente. En este proceso, las bibliotecas y los bibliotecarios de la enseñanza superior son agentes importantes: porque se forman y porque forman, se mantienen actualizados y son fiables. Se sugiere el desarrollo de medidas que deben implementar las instituciones de enseñanza superior y los profesionales de la información para combatir eficazmente las noticias falsas, especialmente en el contexto académico. Se concluye que el conocimiento puede resultar en información, pero la información no necesariamente resulta en conocimiento, y la información puede no ir más allá del nivel de opinión, por lo que es importante reforzar las estrategias de formación.
Resum
Objectiu: Conèixer l'actuació dels professionals de la informació en la lluita contra les notícies falses, mitjançant l'anàlisi d'estratègies en competències d'alfabetització informacional en el context acadèmic.
Mètode: Es va dur a terme una revisió de la literatura indexada a Scopus i a Web of science, associant les notícies falses i l'alfabetització informacional en el context de l'ensenyament superior.
Resultats/debat: Web of science té un total de 106 resultats i Scopus, de 43 resultats. L'anàlisi mostra la descripció d'iniciatives i projectes de biblioteques d'ensenyament superior o de professionals de la informació del mateix sector, compromesos amb la causa de la lluita contra les notícies falses. La literatura posa èmfasi en la importància del factor educatiu: la formació d'usuaris motivats pel coneixement ajuda a distingir la veracitat del que s'afirma i permet identificar l'escenari més adequat per a la producció de coneixement. Les persones més ben preparades assumeixen que la informació disponible a Internet és insuficient. En aquest procés, les biblioteques i els bibliotecaris de l'ensenyament superior són agents importants: perquè es formen i perquè formen, es mantenen actualitzats i són fiables. Se suggereix el desenvolupament de mesures que han d'implementar les institucions d'ensenyament superior i els professionals de la informació per combatre eficaçment les notícies falses, especialment en el context acadèmic. Es conclou que el coneixement pot resultar en informació, però la informació no necessàriament resulta en coneixement, i la informació pot no anar més enllà del nivell d'opinió, per la qual cosa és important reforçar les estratègies de formació.
Las noticias falsas no se combaten con la censura sino precisamente con más noticias y más formación en fuentes de información. (López-Borrull, Vives-Gràcia i Badell, 2018, p. 1354).
0 Contexto de partida
Em agosto de 2018, a International Federation of Libraries Associations (IFLA, 2018) elaborou uma Declaração sobre as fake news, onde manifestou a sua profunda preocupação pelo impacto público desproporcionado que o fenómeno das fake news pode assumir face à liberdade de expressão e ao acesso à informação. Nesta Declaração é reforçado o compromisso, desde sempre assumido pela IFLA, sobre a liberdade de acesso à informação e à liberdade de expressão. Deixa claro que qualquer restrição a esta liberdade, mediante a censura ou o bloqueio de acesso aos recursos digitais e à Internet, deve ser limitada, o que inclui respeitar o Princípio de Manila sobre a Responsabilidade dos Intermediários (https://www.manilaprinciples.org/pt-br).
A IFLA desafia os governos a investir em programas de literacia da informação e literacia mediática, a todos os níveis e para pessoas de todas as idades, que respondam às necessidades atuais, em especial através das bibliotecas e das escolas, como parte de projetos mais amplos para lograr atingir os objetivos em educação da Agenda 2030 da ONU.
Com base neste contexto procura-se, através de uma revisão da literatura, dar uma resposta sobre o papel das bibliotecas de ensino superior e dos seus profissionais no combate às fake news através da literacia da informação, de modo a ajudar a comunidade académica a avaliar de forma crítica a credibilidade e a pertinência das fontes de informação.
1 Introdução
Vive-se na atualidade numa era em que qualquer internauta é também um produtor de conteúdos e um difusor de informação. Mas também se vive numa era de pós-verdade, caracterizada por factos que são paulatinamente substituídos por crenças e a natureza da verdade modificada por emoções. É, então, necessário recentrar as preocupações com a informação no elemento humano. A autonomia e liberdade digitais ao nível individual trouxeram consigo mais responsabilidade cívica e social, tornando prementes as questões éticas e legais associadas à pesquisa, utilização e disponibilização da informação (López-Borrull; Vives-Gràcia; Badell, 2018).
Desde o ano 2000 que os problemas com a verdade e a falácia na Internet se tornaram um tema de debate, sendo que a preocupação aumentou nos anos mais recentes. Devido à incúria, inocência ou falta de preparação dos internautas, dados imprecisos podem desencadear perigos diversos, afetando a sua saúde, privacidade, os seus investimentos, decisões de negócios, compras online e mesmo matérias legais. A Internet tornou-se um mar de navegação perigosa devido à quantidade de falsas verdades, desinformação, informação enganosa ou errónea, sob uma infinidade de formas e disfarces (Forbes; Mintz, 2002). Todos os dias surgem novas mentiras e camuflagens que são usadas para enganar os mais incautos, designadamente no que se refere ao roubo de identidade digital, apelo ao ódio, intolerância religiosa e racial, fraude nas transações de comércio eletrónico, questões de cibersegurança, fraude política, de caridade, entre outras (Mintz, 2012). Assim, é cada vez mais importante e urgente um comportamento preventivo face a estes riscos.
As fake news não são um fenómeno novo: Pulitzer usava manchetes sensacionalistas e George Orwell, em 1984, relatava a destruição de documentos pelos líderes partidários para eliminar as provas da mentira (Barton, 2019). Mas o método atual parece ser mais eficiente: ao invés de destruir os factos, fabrica-se uma história, a qual é continuamente repetida até que seja interpretada como real e apresentada como um produto das tecnologias da informação. Constata-se, desde 2016, que nas redes sociais as notícias são partilhadas como um marcador de identidade; partilham-se notícias não só para informar como para persuadir outrem; partilham-se notícias para evidenciar dedicação a uma comunidade, a um sentimento ou a uma ideologia. O intuito desta partilha é o fortalecimento de laços comunitários, independentemente de possíveis danos colaterais.
Como intervir para alterar o panorama? É importante saber que a disseminação de notícias falsas ou verdadeiras tem a mesma rapidez ou velocidade quando são analisadas as redes sociais e o seu impacto na difusão de informação. Porém, o elemento humano altera esta equação: “false news spreads farther, faster, deeper, and more broadly than the truth, because humans, not robots, are more likely to spread it” (Vosoughi; Roy; Aral, 2018, p. 1148). Esta constatação revela uma importante pista. É que podem ser levadas a cabo intervenções educativas para alterar esta realidade, consciencializando e formando utilizadores de informação no seu bom uso.
A atenção dada a esta problemática ilustra também um fluxo natural entre os temas da sociedade civil e a academia. No meio científico, a procura de informação é uma necessidade incontornável. E a Internet não é suficiente quando se investiga, porque a investigação assenta em informação e em dados fidedignos, completos e credíveis. A Ciência Aberta tem proporcionado uma expansão dos territórios de investigação, dando uma resposta mais adequada a estas necessidades. Ao libertar dados e informação de uma esfera restrita para a esfera pública e fazendo circular maior quantidade de conhecimento, potencia a utilização da ciência por gamas mais alargadas de público. Ao mesmo tempo, se a procura de informação não tem as suas fronteiras tão bem definidas, a navegação pode ocorrer em contextos digitais arriscados, revelando-se uma questão particularmente sensível (Jasanoff, 2016). As redes sociais são mais propícias a essas ocorrências e têm sido, aliás, fonte e objeto de investigação.
As questões que se apresentam às instituições de ensino, em especial as do ensino superior, são, deste modo, muito abrangentes: é necessário capacitar as pessoas para navegarem de forma segura na Internet, mas é também essencial ensiná-las a filtrar os conteúdos que irão utilizar ou colocar e disponibilizar para outrem, porque a Internet se tornou o recurso privilegiado para a pesquisa de informação em ambiente académico e porque os estudantes preferem a informação alojada em recursos fáceis de localizar e de aceder, ao invés de privilegiar os critérios de qualidade da informação (Cid-Leal; Perpinyà-Morera, 2015; Romero-Rodríguez; Contreras-Pulido; Pérez-Rodríguez, 2019). Nesta linha foram publicados muito recentemente vários estudos que reforçam o papel dos profissionais da informação e das bibliotecas (Fontanin, 2018; Gilchrist, 2018; Rose-Wiles, 2018).
Diversos organismos internacionais elencaram um conjunto de tendências para as bibliotecas académicas, enquanto modelos observáveis dos contextos de atuação e da forma como aquelas se devem preparar para o futuro próximo. Estes organismos, que procuram pensar sobre si próprios, analisar o contexto e as comunidades que representam e apontar caminhos para as bibliotecas que inspiram (num progressivo contributo para o prosseguir das missões de ensino e investigação nas instituições de que fazem parte), assumem também que, na sua origem, as bibliotecas foram estabelecidas sob a égide de que a informação é um bem social. Durante a 2ª Guerra Mundial, face ao futuro da democracia, Roosevelt descreveu as bibliotecas como sendo os grandes símbolos da liberdade, considerando-as essenciais para o funcionamento de uma sociedade democrática (Johnson, 2017).
Em 2018, a UNESCO manifestou a sua preocupação sobre este fenómeno viral das fake news ao publicar o manual Journalism, ‘fake news’ and disinformation. Escrito por especialistas na luta contra a desinformação, o manual explora a natureza do próprio jornalismo com módulos sobre porque é importante a confiança; reflete criticamente sobre a tecnologia digital e as plataformas das redes sociais como vetores de comportamentos de desordem da informação; aborda a luta contra a desinformação através da literacia mediática e da informação; e incide na verificação dos factos, na verificação das redes sociais no combate contra o abuso online. Conclui com a necessidade de sinergias entre os profissionais da comunicação e da informação no combate à manipulação manifesta da opinião pública nas plataformas das redes sociais surgida como uma ameaça crítica para a vida pública e democrática (UNESCO, 2018).
O mais recente cenário apontado pela International Federation of Libraries Associations (IFLA, 2018) serve de exemplo para o combate das bibliotecas às fake news, usando a metáfora dos ataques e pilhagens da Idade Média às bibliotecas e referindo que hoje, ao contrário da defesa e guarda, interessa usar a arma da difusão e transmissão do conhecimento. É também reforçada a ideia de que as bibliotecas se vêm coartadas e ameaçadas em diversas funções, devendo, assim, apostar mais do que nunca em franquear acesso à informação, apoiar o acesso aberto e apostar na sua expertise para transmitir confiança aos utilizadores.
A instituição europeia Ligue des Bibliothèques Européennes de Recherche (LIBER Europe, 2017), por seu turno, identifica direções estratégicas para as bibliotecas do ensino superior no período 2018-2022 ao sublinhar a importância das bibliotecas serem consideradas como plataformas inovadoras de comunicação académica, como centros de habilidades e serviços digitais em ambientes de investigação física e virtual, reforçando ainda o posicionamento das bibliotecas como espaços de preservação do património cultural digital e humanidades digitais. A LIBER Europe prevê, por conseguinte, o desenvolvimento de ações de formação nas áreas do copyright, das questões legais, do acesso aberto, das métricas inovadoras, mas também na formação dos profissionais. Face às questões que envolvem as fake news declara que “in the digital environment, the norms and standards regarding ethical behaviour are changing and adapting to technological possibilities. Libraries need to engage in and advocate for developing information ethics in the interests of the research community” (LIBER Europe, 2017, p. 12).
A Association of College and Research Libraries (ACRL Research Planning and Review Committee, 2018), por seu turno, no seu documento prospetivo sobre as principais tendências para as bibliotecas académicas, considera relevantes diversos tópicos, sendo as competências de literacia da informação uma das áreas a repensar. Este aspeto destaca a importância da literacia da informação na realidade das fake news, referindo que devem ser realizadas ações de formação para o desenvolvimento de competências de avaliação das fontes de informação e para o desenvolvimento do pensamento crítico (Connaway; Julien; Seadle; Kasprak, 2017; Leeder, 2019). São também englobadas formas inovadoras de educação, em que se propõe o desenvolvimento de novas abordagens para ações de formação através de tutoriais com um design mais apelativo, bem como outras formas de literacia como a literacia digital.
A American Librarian Association, por outro lado, num documento marcadamente político, reafirma a importância de combater todas as formas de distorção da verdade informativa, sublinhando, entre outras estratégias de combate, o “critical role of librarians and library workers in all types of libraries in teaching information literacy skills that enable users to locate information and evaluate its accuracy” (ALA, 2017, para. 24; Cooke, 2018).
Face às várias linhas de atuação e de tendência explanadas pelas associações internacionais, as bibliotecas têm desenvolvido, implementado e atualizado os conceitos de literacia da informação ao longo dos anos (Finley; McGowan; Kluever, 2017). O seu público-alvo são maioritariamente os estudantes. Estes, de um modo geral, são competentes comunicadores nas redes sociais, mas desconhecem-lhes o potencial de manipulação. Estas preocupações não são exclusivas de pais, educadores, professores ou da sociedade em geral. Em Itália, o Ministério da Educação desenvolveu um projeto para as crianças, habilitando-as a tornarem-se «caçadoras de fake news» (Horowitz, 2017). No Reino Unido, o Parliamentary Group on Literacy e o National Literacy Trust organizaram uma comissão de fake news e de ensino de competências de literacia (National Literacy Trust, 2018). Também a Austrália, a Suécia e os países Bálticos têm desenvolvido esforços meritórios no combate à desinformação (Comber; Grant, 2018). Por seu turno, a Comissão Europeia delineou um conjunto orientador de princípios e objetivos para o combate às fake news e que abrange a transparência da origem da informação, a sua diversidade e credibilidade, bem como a oferta de soluções inclusivas que passam pela capacitação em competências de literacia e pela promoção da sua investigação, porque as fake news são somente uma parte de um problema muito mais amplo: o da desinformação (Comissão Europeia, 2018).
Ao nível do ensino superior, e informalmente, as bibliotecas têm desenvolvido diversos projetos e iniciativas de modo a assegurar a capacitação de estudantes e investigadores e a despertar os cuidados necessários na pesquisa e análise de informação. Exemplos disso são os LibGuides, como o da Indiana University East’ Fake news LibGuide (https://iue.libguides.com/Fakenews) e o da University of Washington Libraries’ Evaluating Information: fake news LibGuide (https://guides.lib.uw.edu/research/evaluate/fakenews), fornecendo aos estudantes os recursos necessários e um plano de verificação das fontes antes de as usar, mas também o infográfico da IFLA (How to spot fake news) que, visual e graficamente, apresenta uma estratégia de análise das fontes de informação.
Neste âmbito, importa encarar estes desafios e desenvolver estratégias em literacia da informação para combater as fake news. Estudantes, professores e investigadores devem saber qual a informação de que necessitam, conseguir identificar o que procuram, reconhecer as condições sob as quais a informação pode ser reutilizada de forma ética, assim como o destino que terá, e distinguir entre conhecimento, opinião e comentário. E estas questões podem ser resolvidas através da capacitação destes utilizadores da informação, privilegiando a intervenção no ensino superior.
1.1 Objetivo do estudo
O objetivo do presente estudo é o de identificar a atuação dos profissionais da informação no combate às fake news, através do conhecimento de estratégias em competências de literacia da informação já implementadas em contexto académico.
2 Método
Realizou-se uma revisão da literatura associando o impacto das fake news e a dinâmica da literacia da informação, para o seu combate, no contexto do ensino superior.
A Scopus e a Web of Science foram as bases de dados pesquisadas. Os termos de pesquisa selecionados foram ‘fake news’ e ‘information literacy’, usando o filtro keywords. A recolha de dados foi efetuada no mês de julho de 2020, os quais foram transformados em ficheiros (extensão ris) e exportados para o gestor bibliográfico Mendeley, enquanto ferramenta útil para o cruzamento de dados, eliminação de duplicados e criação de uma lista definitiva de resultados.
Os critérios de eligibilidade contemplavam estratégias formativas em instituições do ensino superior realizadas por profissionais da informação. Os critérios de não-elegibilidade incidiam sobre a formação ministrada por professores e a utilização de tecnologias de deteção automática de fake news.
3 Resultados
A Web of Science apresenta um total de 106 resultados e a Scopus de 43 resultados. Da fusão dos dados resultou um total de 132 artigos (17 artigos eram duplicados porque estavam indexados nas duas bases de dados em estudo), de que se excluíram dois artigos por não terem abstract incluído, três por terem sido publicados em idiomas desconhecidos para os autores (turco e russo) e três por não ter sido possível aceder ao texto integral (Figura 1).
A análise dos abstracts e a aplicação dos critérios de elegibilidade e de não-elegibilidade permitiu identificar 28 artigos elegíveis. A leitura dos textos integrais reduziu o universo em estudo para 12 artigos.
Figura 1. Fluxograma da avaliação dos artigos recuperados nas bases de dados Scopus e Web of Science
Em material suplementar anexa-se uma tabela que contempla todos os artigos analisados no presente estudo.
A análise dos resultados aponta para a descrição de iniciativas e projetos oriundos quer de bibliotecas do ensino superior, quer de profissionais da informação do mesmo setor, comprometidos com a causa do combate às fake news. Apresentam-se seguidamente as principais tendências, instrumentos e abordagens.
3.1 Principais tendências nas estratégias de combate às fake news
O estudo de López-Borrull, Vives-Gràcia e Badell (2018) apresenta numa revisão da literatura uma descrição de iniciativas e projetos, tanto de bibliotecas como de outros setores da educação e da comunicação; demonstra a importância de dispor de tutoriais de formação online, evidenciando as fontes fiáveis de informação face às fake news. É sugerida a divulgação de serviços de verificação de dados e a criação de formas de colaboração com os cidadãos, bem como a organização de workshops para a deteção de fake news. Reforçando o papel educacional das bibliotecas do ensino superior, os autores apelam ao fortalecimento das coleções, especialmente digitais. Na medida em que a maioria das fake news são divulgadas através de recursos de livre acesso, creem que se as bibliotecas incrementarem as suas coleções com publicações subscritas, a probabilidade de divulgação de fake news será incomparavelmente menor – posição também defendida por Lor (2018). Mas porque um projeto desta natureza envolve recursos financeiros difíceis de assegurar e de manter ao longo do tempo, para a definição de políticas de aquisição, López-Borrull, Vives-Gràcia e Badell (2018) sugerem a criação de projetos em comum com outros profissionais, reforçando o conhecimento dos códigos éticos profissionais.
Bibliotecários e outros profissionais da informação têm desempenhado um importante papel no combate às fake news, criando ferramentas para apoio aos estudantes do ensino superior e promovendo o desenvolvimento de competências de literacia da informação e do pensamento crítico. O estudo de Neely-Sardon e Tignor (2018) descreve a experiência dos bibliotecários do Indian River State College (IRSC). Criaram um programa abrangente de literacia da informação, o qual disponibilizam aos estudantes através de cursos de capacitação e a que se atribui um crédito. O programa de formação que a biblioteca já disponibilizava focava-se bastante na avaliação das fontes de informação. Face à problemática das fake news, essa componente foi ampliada. O programa atual consiste em lições, tarefas, kits de aprendizagem e outros recursos. Os bibliotecários desenvolvem esta atividade presencialmente e em ambiente online; são também convidados para ensinar em sala de aula. Os conteúdos da Framework for Information Literacy for Higher Education (ACRL, 2016) foram revistos e optou-se por continuar a investir na frame da Autoridade, identificada como sendo a mais crítica no atual quadro social e educacional.
No IRSC são os bibliotecários que se encarregam dos cursos de literacia da informação, que são opcionais. As sessões costumam contar com 50 a 100 estudantes. A maioria destas sessões é informal e depende da boa vontade institucional e dos convites de professores. Também a maioria dos professores assumiu desconhecer a associação entre literacia da informação e fake news e que os bibliotecários podiam adaptar os conteúdos da literacia para um eficaz combate à problemática. Para corrigir este equívoco, na Primavera de 2017, os bibliotecários promoveram uma campanha para capacitação do corpo docente sobre as diversas opções de literacia, a sua conexão com as fake news e as ferramentas educacionais para a correta identificação de fontes de informação fidedignas. Demonstrou-se, com a ajuda da distribuição de materiais promocionais, como a literacia da informação pode ser aplicada a várias disciplinas e, portanto, ser aplicável a muitos cursos. No ano letivo seguinte (2017-2018) metade dos professores solicitaram uma sessão de formação sobre estes conteúdos em contexto de sala de aula.
Um dos conteúdos de aprendizagem desenvolvidos pelos bibliotecários do IRSC, e disponibilizado na LibGuide, foi o infográfico RADAR (Neely-Sardon; Tignor, 2018) que detalha um plano e uma checklist com perguntas a seguir pelos estudantes para análise e avaliação das fontes de informação (Tabela 1).
Avaliação de fontes de informação com o RADAR | |
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Fundamentação | Qual é o objetivo da informação? Porque foi escrita pelo autor: para informar, apresentar resultados de investigação, vender alguma coisa? Existe algum tipo de preconceito? São apresentados pontos de vista alternativos? |
Autoridade | Quais são as credenciais do autor? Quais são as afiliações do autor a organizações, grupos, universidades, etc.? Poder-se-á encontrar alguma informação sobre o autor? O autor é citado por outras fontes? O editor é bem conceituado? |
Data | Quando foi a fonte publicada ou atualizada pela última vez? A temática mudou desde essa data? A temática atualiza-se regularmente, como na tecnologia e na medicina? Onde se situa esta temática no ciclo de informação? |
Precisão | Existem erros ou declarações que sabemos que são falsas? A fonte é revista pelos pares? A fonte foi revista por um editor ou especialista? Que outras fontes suportam a informação apresentada? |
Relevância | A informação responde à sua pergunta de investigação? Atende aos requisitos do seu trabalho? Quem é o público-alvo? |
Tabela 1. Adaptação do infográfico RADAR. Nota: Criado por Neely-Sardon e Tignor (2018, p. 115).
Foi ainda criado um tutorial interativo que apresenta aos estudantes os critérios de avaliação do RADAR, orientando-os seguidamente na avaliação de uma fake news no navegador, observando cada conjunto de critérios dentro do contexto da página. O LibGuide dos bibliotecários do IRSC também inclui um vídeo que os professores podem usar nas aulas. Pretende-se, no futuro, expandir as sessões de formação para disciplinas ainda não contempladas e consciencializar superiormente, de modo constante, que as competências de literacia da informação são eficazes no combate às fake news e que os bibliotecários têm expertise na matéria, na avaliação de fontes e na verificação de factos (Neely-Sardon; Tignor, 2018).
A partir dos guiões disponibilizados nas bibliotecas académicas, o estudo de Lim (2020) analisou a forma como os bibliotecários entendem as fake news e os métodos ou estratégias que sugerem para as detetar e para avaliar fontes de informação. É sugerido o checklist CRAAP (currency, relevance, authority, accuracy, and purpose), cujos critérios são frequentemente recomendados para avaliação dos recursos académicos e que foi criado por bibliotecários da California State University (Blakeslee, 2010). Checklists como o SMART (source, motive, authority, review, two-source test), o Savvy News Consumer (uma combinação do checklist SMART com o infográfico da IFLA) ou o SMELL (source, motive, evidence, logic and left-out) são igualmente considerados. Os bibliotecários reconhecem também a influência da predisposição humana no consumo de informação, pelo que devem incorporar o fator psicológico na sua estratégia de interpretação dos factos.
Desmistificar a problemática da avaliação das fontes de informação foi o contexto do estudo de Bonnet e Rosenbaum (2020). Um bibliotecário especializado em literacia da informação e um professor da área da literacia mediática colaboraram estreitamente no desenho de um workshop para estudantes de licenciatura, de modo a desvendar os diversos significados de fake news e a pensar criticamente sobre a informação consumida e partilhada pelos estudantes. Analisaram-se: 1) as noções de fake news dos estudantes e de onde recuperam a informação por hábito; 2) a definição e contextualização de fake news em estreita ligação com o conceito de verdade e com a forma de acesso e de partilha de informação com recurso às tecnologias; 3) a participação em atividades de grupo para ilustrar a facilidade com que é acreditada e partilhada a desinformação pela Internet; 4) a aquisição de competências sobre a credibilidade e de como os preconceitos e o viés cognitivo de cada indivíduo podem influenciar a sua perceção; 5) atividades em que os estudantes debatiam os critérios de avaliação da informação acessível pela Internet e determinavam a sua credibilidade; 6) uma atividade final em que os critérios dos estudantes eram praticados a partir de textos conectados tematicamente (dois artigos de notícias reais, mas politicamente divergentes, e um artigo fake), devendo os seus critérios ser aplicados para determinar que fontes eram confiáveis e porquê. Com a duração de 75 minutos e combinando uma aprendizagem teórica-prática, o workshop permitiu o reforço de competências dos estudantes e o aprofundamento das suas capacidades críticas.
Na mesma linha, também o estudo de Hanz e Kingsland (2020) aposta em formações de curta duração – dezanove workshops em dois anos, oferecidos por dois bibliotecários da McGill University (Montreal, Canadá), em que a Framework da ACRL (2016) foi incorporada no processo de ensino-aprendizagem. Depois da abordagem histórica, em que se demonstra que fake news sempre existiram (ainda que sob uma designação diversa), foram distribuídos artigos em que os critérios de avaliação do checklist CRAAP (Blakeslee, 2010) eram evidenciados, isto é: currency (atualidade da informação), relevance (relevância da informação), authority (fonte da informação), accuracy (fiabilidade e precisão da informação) e purpose (propósito da informação). O objetivo do uso do CRAAP era ajudar a avaliar a informação. Nos workshops deste estudo, a discussão mais intensa esteve sempre centrada nas questões da autoridade, pelo que os autores sugerem uma formação que trabalhe detalhadamente este domínio a partir da Framework. Apesar de usarem regularmente o CRAAP, Hanz e Kingsland (2020) reconhecem que é um teste falível face à presença do fator emocional aquando da partilha de informação. Assim, adicionaram outra ferramenta de avaliação – 4 Moves and a habit (Caulfield, 2017) – que se traduz em, perante factos, verificar se existe informação prévia, trabalhar a informação em sentido contrário até à origem, ler lateralmente e voltar ao início. O hábito, por seu turno, está associado ao controlo da emoção, isto é, quando o indivíduo sente uma vontade irresistível de partilhar uma informação deve parar, sendo que essa informação é que deve ser verificada.
O checklist CRAAP é também trabalhado no estudo de Herrero-Diz, Conde-Jiménez, Tapia-Frade, Varona-Aramburu (2019), enquanto ferramenta facilitadora da valorização da informação. Porque é necessário trabalhar o pensamento crítico junto dos grandes consumidores e disseminadores de conteúdos, os estudantes, o estudo enaltece a literacia da informação como um pilar fundamental na educação. São apresentados os resultados da avaliação realizada por estudantes universitários andaluzes de Comunicação e Educação sobre a informação na Internet, utilizando o CRAAP. Os estudantes manifestam dificuldades em identificar a veracidade das fontes, valorizando mais uma fake news do que uma notícia verdadeira. Os autores concluem que os estudantes com alguma literacia acusam menos dificuldades em interpretar conteúdos, pelo que a literacia da informação e mediática é a única vacina existente contra as fake news, as quais evidenciam a simplificação de um mal muito mais complexo: o da desinformação.
Também Evanson e Sponsel (2019) consideram relevante a literacia associada ao CRAAP (Blakeslee, 2010) e à Framework (ACRL, 2016) face à atitude imediatista dos estudantes lerem «na vertical» a informação, focando-se apenas no conteúdo diante dos seus olhos, o que os torna mais suscetíveis ao fenómeno da desinformação. Um dos destaques do estudo associa uma das frames (criação de informação como um processo) a tweets cuja fonte é supostamente credível. Os estudantes que detetam a fonte e que a consideram na avaliação da informação demonstram capacidades de avaliar criticamente a utilidade da informação em questão, exercício que assenta nos pressupostos da Framework.
De igual modo, o estudo de Musgrove, Powers, Rebar e Musgrove (2018) considera que os estudantes universitários são particularmente vulneráveis às fake news, porque é das redes sociais que recebem a maioria da informação online e porque nasceram no tempo da World Wide Web. Por conseguinte, devem ser os bibliotecários e professores a ajudá-los a construir sólidas competências de literacia da informação, reforçando as habilidades de pensamento crítico. Como boas práticas no combate às fake news, os autores sugerem a Framework da ACRL, a qual define a literacia da informação como um conjunto de habilidades integradas que enlaça a descoberta reflexiva da informação, a compreensão de como a informação é produzida e valorizada, bem como o uso da informação na criação de novo conhecimento e na participação ética nas comunidades de aprendizagem (ACRL, 2016). Musgrove, Powers, Rebar e Musgrove (2018) destacam uma das frames deste documento de trabalho – a autoridade, que se constrói e é contextual –, sendo que a compreensão deste conceito permite que os estudantes examinem criticamente o que são consideradas as evidências, a identificação dos indicadores de autoridade quando associados à informação e a compreensão de que muitas áreas do conhecimento reconhecem autoridades (e.g., oficiais, creditadas, certificadas).
Musgrove, Powers, Rebar e Musgrove (2018) assumem também a conjugação de esforços para um resultado mais favorável. Assim, sugerem claramente o uso da ferramenta LibGuide e destacam o trabalho do bibliotecário Eric Novotny (http://guides.libraries.psu.edu/fakenews). O LibGuide é uma aplicação baseada na web e um sistema de gestão de conteúdos usado para criar e organizar guiões eletrónicos. É facilmente incorporada em cursos e sites de bibliotecas e muito acessível aos estudantes. Os autores destacam, de igual modo, o uso da checklist CRAAP [«tretas»], que joga linguisticamente com a possibilidade de treinar a deteção de «tretas», e da matriz Who, What, Where, When, Why (Global Digital Citizen Foundation, 2016).
Ainda, a reflexão de Lor (2018) sobre a resposta a dar pelas bibliotecas nos atuais tempos da pós-verdade envolve diversas componentes, a saber:
- As coleções. Investimento na sua construção, na fiabilidade das fontes e recursos de informação, bem como na sua pluralidade de opiniões ideológicas.
- O papel do bibliotecário de referência. Enquanto possuidor de habilidades muito próprias, este encontra a forma criativa de combater as fake news, encoraja o uso de informação fidedigna e estimula o uso de fontes e de bases de dados credíveis.
- A literacia da informação. O advento das fake news levou os profissionais da informação a redobrar os seus esforços na formação de leitores face ao pensamento crítico. A infografia da IFLA (2018) é um bom ponto de partida, tendo já sido traduzida em 37 idiomas.
- A recusa das fake news. Na medida em que procurar a verdade pode evidenciar o peso da não-verdade, Lor (2018) destaca o trabalho dos bibliotecários. A verificação da fonte de informação e a correção da desinformação são importantes para a preservação da memória histórica; desta forma, garante-se ao futuro investigador, de forma objetiva, a análise dos acontecimentos atuais sob múltiplos ângulos e abordagens. Trabalhar os dados desta forma requer uma considerável perícia, recursos técnicos e envolve regras e boas práticas – não é um trabalho para amadores. Como exemplo, assinale-se a biblioteca do College of Staten Island (City University of New York) que desenhou um website sobre a melhor forma de ajudar os seus estudantes a detetar fake news, contemplando um tutorial de pesquisa, workshops e um curso sobre a avaliação de fontes de informação, entre outras iniciativas.
- Recolha de dados. Os bibliotecários são os principais agentes do processo de documentação e preservação dos bancos de dados; deles se espera também um papel interventivo na curadoria destes dados.
Lor (2018) conclui que claramente estas são competências de literacia da informação e que este é o domínio dos profissionais da informação.
Outra reflexão, a de Caridad-Sebastián, Morales-García, Martínez-Cardama e García-López (2018), em formato de revisão da literatura, analisa, entre outras, as iniciativas internacionais emanadas pela IFLA e pela ALA, em que se propõe formação com uma componente prática de competências de literacia da informação, a curadoria de dados e de conteúdos, bem como ferramentas de verificação de factos. Neste processo, a biblioteca e os seus profissionais assumem um papel aliado, de advocacia. Propõe-se uma categoria de trabalho, a da referência digital, principalmente para estimular a consciência reflexiva de como, no ensino superior, se pode contrariar o fenómeno da desinformação; representa também uma boa oportunidade para a divulgação de recursos de qualidade subscritos pela biblioteca e oferecer um serviço de referência digital que se estenda para além do tradicional recurso de avaliação das fontes.
Também o estudo de Martínez-Cardama e Algora-Cancho (2019), a partir de um levantamento realizado em Espanha, destaca o papel de mediação desenvolvido pelas bibliotecas do ensino superior enquanto engrenagem para o combate à desinformação, na medida em que o seu desempenho alcança vastas comunidades e afeta a própria comunicação científica. É, deste modo, defendida uma atuação em torno de três eixos:
- A implicação dos bibliotecários na formação (literacia da informação e mediática), mas também na verificação (enquanto fact checker) da informação científica divulgada através das redes sociais, em estreita colaboração com os professores.
- A redação de guiões para explicar os problemas associados às fake news, mas também para divulgar os critérios de avaliação, as ferramentas de verificação e os recursos da coleção digital.
- O uso massivo de material gráfico (e.g., infografias, como a da IFLA).
Apesar de reconhecerem a utilidade do checklist CRAAP admitem que não é suficiente, na medida em que as novas competências infocomunicacionais não são assimiláveis à mesma velocidade que a circulação das fake news. Pelo contrário, formação, workshops e seminários são opções a considerar. Batchelor (2017) destaca a experiência da University of Michigan com um pequeno curso (de um crédito) designado Fake news, lies, and propaganda: how to sort fact from fiction. A avaliação crítica das fontes de informação, através de conteúdos de aprendizagem criados pelos bibliotecários, integra a capacitação formal dos estudantes. Os conteúdos incluem acrónimos e checklists de critérios (como o CRAAP) para a pesquisa e análise da informação.
3.2 Instrumentos e estratégias da literacia da informação no combate às fake news
Os estudos selecionados apresentam uma variedade de instrumentos, métodos, iniciativas e projetos que se destacaram positivamente nas suas comunidades e que se elencam (Tabela 2).
Bibliotecas (aprendizagem informal) |
LibGuides Tutoriais Kits de aprendizagem Workshops Formação em literacia da informação Coleções das Bibliotecas (fiabilidade e pertinência) |
Bibliotecas (instrumentos validados) |
Framework for Information Literacy for Higher Education (ACRL, 2016) Infográfico RADAR (rationale, authority, date, accuracy, relevance) (Neely-Sardon & Tignor, 2018) Checklist CRAAP (currency, relevance, authority, accuracy, and purpose) (Musgrove, Powers, Rebar, & Musgrove, 2018) Checklist SMART (source, motive, authority, review, two-source test) (Lim, 2020) Checklist Savvy News Consumer (Lim, 2020) Checklist SMELL (source, motive, evidence, logic and left-out) (Lim, 2020) Matriz Who, What, Where, When, Why (Global Digital Citizen Foundation, 2016) 4 Moves and a Habit (Caulfield, 2017) Additional resources (Cooke, 2018) |
Tabela 2. Instrumentos usados pela literacia da informação no combate às fake news
As estratégias formativas apuradas evidenciam a preocupação dos profissionais da informação face ao crescimento das fake news e à necessidade de intervirem de forma precisa e pedagógica junto das suas comunidades. Converge, nos diversos estudos analisados, uma preocupação metodológica onde os instrumentos e estratégias formativas ganham destaque e permitem inspirar os profissionais a prosseguir esta mesma missão de combate às fake news.
4 Discussão
A literacia da informação reserva para si a responsabilidade da formação para o bom uso da informação, garantindo o seu caráter fidedigno no que se refere aos seus conteúdos e à sua produção. A literatura consultada refere que o fator educacional deve necessariamente ser ponderado: a formação de utilizadores motivados para o conhecimento potencia e permite distinguir a veracidade do que se afirma e identificar qual o cenário para a produção de mais conhecimento (Day, 2017). A literacia da informação fomenta processos de ensino e aprendizagem centrados na receção da informação, mas também na sua produção e divulgação de forma crítica, criativa, consciente e emocional (García-Ruiz; Ramírez-García; Rodríguez-Rosell, 2014). Realça-se ainda que as pessoas melhor preparadas correspondem a indivíduos que assumem como insuficiente a informação disponibilizada pela Internet. As bibliotecas e os bibliotecários do ensino superior são, assim, importantes agentes neste processo: porque se formam e porque formam (Becker, 2016; Meschini, 2019), mantendo-se atuais e confiáveis e enquanto portais de acesso a estas diversas fontes.
Por conseguinte, um pouco por todo o mundo, e de acordo com a análise dos estudos citados, os profissionais da informação estão preocupados com o progressivo impacto das fake news no capital crítico e científico emanado do ensino superior e estão a realizar intervenções significativas, do ponto de vista pedagógico, preparando-se e estruturando de forma apelativa essa intervenção educacional e formativa, aproveitando também as tecnologias como instrumentos de empowerment, conhecimento e integração (Figueira; Santos, 2019). Incidem, entre outros critérios, nas seguintes matérias: o uso de sites de verificação de factos; a leitura de fontes de informação fidedignas; a procura de diferentes perspetivas da informação que suscita dúvidas; o uso de competências de literacia; e a redução da partilha de informação em dúvida.
Por outro lado, vivendo numa era digital, as questões relativas à responsabilidade das tecnologias de informação pressupõem o desenvolvimento de melhores algoritmos para melhor distinguir o verdadeiro do falso e para consolidar os métodos de avaliação da informação, promovendo igualmente a segurança, a estabilidade e a veracidade da informação. A experiência didática realizada por Cebrián-Robles (2019) com professores em formação, que consistia em pesquisar na Internet por fake news com conteúdo científico ou tecnológico com o apoio da ferramenta HYPOTHES.IS (https://web.hypothes.is/), enquanto metodologia tecnológica de identificação e classificação de fake news, demonstrou que apenas os indivíduos com pensamento crítico e avaliador foram capazes de identificar as fake news, mesmo com o apoio da plataforma. Deste modo, evocando Caridad-Sebastián, Morales-García, Martínez-Cardama e García-López (2018), o combate às fake news não pode ser reservado à tecnologia – é um fator essencialmente humano. Se os estudantes leem a informação «na vertical», focando-se apenas no conteúdo diante dos seus olhos, as medidas descritas no presente estudo e com provas dadas nas suas comunidades, realizam uma leitura «pela lateral», procurando fontes externas de confirmação e promovendo o pensamento crítico. A literacia da informação não permite, de acordo com Figueira e Santos (2019), identificar meramente fake news, mas procura o contraditório, a reflexão e as motivações sociais existentes no ato de partilhar.
Sugere-se o desenvolvimento de medidas a implementar, quer pelas instituições de ensino superior quer pelos profissionais da informação, para um eficaz combate às fake news, em especial no contexto académico, seio por excelência da formação do pensamento crítico e da investigação aplicada. Dada a frequência com que as fake news circulam, a fiabilidade associada à informação digital é uma matéria pertinente, pelo que os jovens, em breve estudantes universitários e, no futuro, profissionais ou investigadores, devem desde cedo aprender a avaliar criticamente a informação consultada em suporte digital – o problema reside não só na falta de informação e na existência das fake news, mas principalmente nos danos que a desinformação produz em cérebros pouco críticos. E, como referem Figueira e Santos (2019), mais do que a proteção do próprio, importa a consciência social e ética.
4.1 Estudos futuros
Para estudos futuros estão em desenvolvimento duas linhas de investigação/intervenção:
- Averiguar junto das bibliotecas do ensino superior em Portugal as preocupações resultantes da disseminação das fake news e as práticas delineadas e implementadas para o seu combate efetivo;
- Adaptar para a língua portuguesa dois dos instrumentos assinalados no presente estudo (CRAAP e RADAR) a implementar em três comunidades académicas, de áreas científicas diferentes, e analisar o seu comportamento.
5 Conclusões
Os profissionais da informação assumem um compromisso público e pró-ativo de formadores para a promoção de práticas de literacia e de advocacy na sociedade. Na medida em que as competências que adquiriram se vocacionaram para a literacia da informação, estão especialmente habilitados a acompanhar os estudantes do ensino superior no processo de identificação das fake news e na avaliação da informação.
Nos tempos que correm qualquer indivíduo é um consumidor de informação, mas todos os indivíduos devem ter as competências necessárias para, de forma crítica, consumir e criar mais informação, especialmente se se tratarem de estudantes do ensino superior. Sabe-se que as fake news não são controláveis com a censura, mas precisamente com mais informação e com mais formação em fontes de informação. No ensino superior, os estudantes devem ser expostos a informação real e a fake news, de modo a aprenderem a avaliar a informação que encontrarão fora da sala de aula, num contexto extra-educacional. O objetivo é produzir pensadores críticos pró-ativos, investigadores e consumidores de informação que identificam e ultrapassam as fake news e os seus efeitos nefastos.
Concluiu-se que o conhecimento pode resultar em informação, mas a informação não resulta necessariamente em conhecimento – e a informação pode não ultrapassar o patamar da opinião. Os estudos e relatos de experiências já validadas neste âmbito inspiram-nos a prosseguir este desiderato e a contribuir para um melhor e mais ético uso da informação, particularmente no contexto das bibliotecas do ensino superior. Vivemos numa sociedade da informação, mas estamos ainda longe de ser uma sociedade do conhecimento, pelo que importa reforçar estratégias formativas.
Por último, e no espírito da Declaração da IFLA sobre as fake news, o compromisso das bibliotecas de ensino superior e dos seus profissionais é reforçar o seu papel na defesa da importância da liberdade de expressão e da liberdade de acesso à informação.
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Notes
1 O presente estudo é decorrente dos resultados preliminares apresentados no EDICIC-2019 e depositado em https://osf.io/preprints/lissa/3sbwa/.